domingo, 22 de dezembro de 2013

Sobre meninos e pipas

Eles esperam pelos sopros de ar julinos e dezembreiros para tirar a seda do armário. Cuidadosamente, mãos de todas as idades colam varetas, cortam fitas e constroem rabiolas. Ensinamento milenar, muitas vezes passado de pai pra filho, outras aprendido nas ruas. Olhos aguçados para o céu, que está enfeitado de retângulos coloridos; pés descalços, dedos cortados... Um grito e todos correm, largam suas latas no chão até que se escuta "tá na mão" e o vencedor volta com outra pipa debaixo do braço e um sorriso moleque nos lábios.
Eles esvaziam suas mentes e por horas voam alto e longe junto de seus brinquedos. Desenham no ar manobras e dançam livres junto à força dos ventos. Queimados do sol, cansados e contentes, retornam para suas casas somente quando a noite cai e não a mais corrente de vento. Adormecem e sonham com a liberdade que quem solta pipas sente.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Saber


Saber o que quer ou não se quer,
Saber plantar ou então carpir,
Saber regar e lembrar-se de adubar...
Saber a época de colher para não morrer no pé,
Saber como degustar, vender ou apenas repartir...
Saber que as vezes dará um fruto que não vamos provar e que também pode não vingar, mesmo quando sabemos como cuidar...
Saber se proteger do tempo ou dourar a pele no sol,
Saber rir quando se quer chorar...
Saber buscar, saber ficar, saber partir...


"Saber amar,
Saber deixar alguém te amar..."

Quem de Tempo é...

Quem carrega o vento na cabeça traz consigo fogo no coração
Quem crê no Tempo tem de cuidar, porque quando zara o tempo tempestade braba a de se formar
Quem respeita o Tempo não corre atrás de linha solta, o vento sopra o carretel para as nossas mãos, carrega as historias para os nossos ouvidos, bota a verdade frente aos nossos olhos e afasta a maldade dos homens e espíritos. Mas quem é de Tempo não teme fantasmas!
Quem tem Tempo não foge a batalha, não arrega, não falta
Quem leva ventania na cabeça dança com a chuva e se mistura a ela, vira a própria água, o calor do raio, a intensidade do trovão
Quem é de Tempo o Tempo trabalha, mesmo quando adormecem os olhos dos filhos, os
de Tempo não falham!

"Quem de tempo será tem de serTempo me temperou com dendê."

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Noca: 3 palavras

"Bom dia meu amor!" disse Ele ao pé do ouvido de Noca. Ela não acreditava que aquilo era real, então continuou deitada na cama com os olhos fechados. Ele repetiu e a abraçou mais forte, o cheiro dele tomou conta dos pulmões dela e as lembranças da noite anterior ganhavam vida na mente de Noca. Ela abriu os olhos e se virou, ele estendeu o braço dando lugar para ela deitar no peito dele. Noca o olhava encantada, admirada, como podia ser tão lindo... Tão... Perfeito! Cada fio de cabelo, cada pelo, o sinal abaixo do olho esquerdo, o sorriso largo... Era uma pintura, não, uma escultura... Noca não sabia explicar tanta beleza! A pele macia, o cheiro doce, o toque único... Ninguém nunca havia feito ela se sentir daquele jeito. Era um sentimento leve, forte, aquela sensação de ultima e primeira vez. Tão bom! Antes de se levantarem para tomar café, Noca encostou sua boca na orelha dele e como de costume disse em silencio aquelas três palavras...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Alice: Dente de Leão II ou amor perfeito

Dizem que onde nasce dente de leão o solo é bom! Nele pode-se plantar o que desejar: folha, erva, fruto... Nesta terra, o que for cultivado, se bem aguado e adubado há de vingar!


Alice era fascinada por agricultura, não entendia nada, não sabia fazer nada, mas adorava uma horta ou jardim! 
Um dia, numa das pausas de sua viagem, sentou-se em uma nuvem e se pôs a observar o campo que tinha perto dos penhascos. Viu algo a cintilar lá pra baixo e perguntou aos pássaros o que era aquilo: "uma Alma" - responderam em coro! Alice não entendia porque o brilho daquela alma oscilava feito um pisca-pisca, pois até onde ela sabia as almas reluziam muito mais que ouro "Aquela está quase penada!" - cantaram os pequeninos e em seguida contaram a Alice a historia da Alma que parou no tempo por causa de uma flor! "Mas a Alma não vê quantas outras rosas, margaridas, copos de leite, orquídeas e jasmins nasceram em volta dela só por ela existir?" questionou a menina cheia de vida e perguntas... "Não pequenina, as almas só podem enxergar quando estão acordadas, com os olhos bem abertos, não quando estão sonhando ilusões!" - disseram todas as aves em uníssono.
Alice ficou comovida, pegou umas sementes de amor perfeito, cochichou palavras bonitas para elas e as jogou perto da Alma, que distraída nada percebia. Alice ia pra lá e pra cá, mas curiosa que só, voltava para ver se a Alma ainda estava lá. A flor que ela plantou nem dava sinal de vida, até que um dia Alice se cansou de esperar, pegou uma gota de lágrima que a Alma derramou no chão e molhou o grão. No mesmo instante surgiu uma pequena rachadura e dela uma folha e um botão. Alice não se deu por satisfeita, era tanto movimento e barulho e nada da Alma se mexer! Foi então que ela disse com voz firme "Veja!" A Alma despertou assustada, olhou para a flor que estava ao seu lado e... E agora, o que vai acontecer?

sábado, 2 de novembro de 2013

Alice: revoada

Alice caía em queda livre! Sentia borboletas batendo asas em seu estômago, um pouco de medo e ansiedade, mas estava tranquila, pois seu mergulho foi opcional. De repente sentiu que não estava mais caindo: Alice flutuava! Olhou para os lados e se viu no meio de uma revoada de pássaros multicoloridos. Seguiu com eles em rota, mesmo sem saber a direção. Seu corpo estava leve e sua mente silenciou por longos momentos... Alice até parou em alguns pontos do caminho, sentava nas nuvens e admirava a beleza dos lugares por onde passavam. Quando estava distraída, era surpreendida por suaves bicadinhas de seus novos amigos, que lhe faziam cócegas até que ela retornasse ao grupo. Ela é assim, assim é seu destino: horas de estar só e horas de estar no coletivo... 
Movida e preenchida por uma fé sem tamanho, tinha uma única certeza: as coisas vão dar certo, seja lá o que isso signifique!

sábado, 26 de outubro de 2013

O último desabafo

De que serve tudo isso? A quem se destina? Cansada de se lamentar e de sentir todas essas coisas, Ela se prepara para o que deseja ser seu último desabafo "publico"! Percebe que a ferida esta exposta há muito tempo e já não entende mais o porquê se mostrar tanto. Sua intimidade, sua verdade, sonhos, desejos, alegrias, medos... Não muda nada, apenas se sente mais vulnerável. Suas escritas e emoções ficam jogadas no chão da sala como o brinquedo que a criança enjoou e não quer mais. Seus personagens tão reais andando em círculos... Pensamentos perdidos e velozes, que se atropelam e a atingem! Na volta para casa Ela salta do trem numa estação bem distante. Resolveu andar muito na esperança de que o cansaço físico a impedisse de refletir ainda mais sobre o imutável, o inatingível, sobre todas as coisas que não dependem de sua ação. Resultados que não estão mais em suas mãos ossudas. Por fim chega em casa e cai de joelhos... Aos poucos se encolhe em posição quase fetal, grita e chora sabe-se lá por quanto tempo, acolhida por sua própria solidão. Um barulho na janela chama sua atenção, é aquela ventada pré-chuva! Vem para lavar, vem chumbo grosso por ai, cheiro de grandes acontecimentos no ar...

Enfim a narradora aproveita o momento para encerrar seus trabalhos e se despedir.

Adeus!

(escrito ao som de Beirut e Cordel)

Carta para Pablo

Noca entra no bar e vai direto ao balcão. Chama pelo garçom mais antigo e descreve um rapaz: “Pablo! Pela descrição só pode ser ele!” responde o velho senhor. Noca deixa com ele um envelope e pede para que entregue ao Pablo se um dia ele retornar a aquele bar. Dentro uma carta escrita assim:

“Não sei seu nome, nunca me sentei com você, na verdade eu não te conheço e sei tantas coisas... Já sequei suas lágrimas muitas vezes, já dividi com você a cerveja e o cinzeiro, em meus delírios já estivemos na mesma cama fazendo amor! Mas sei que nada disso é real ou poderia ser, porque sempre que crio coragem de me aproximar, sempre que você de alguma maneira pressente que pode estar perto de ser feliz, você se levanta apressado e vai ao encontro de algo ou de alguém... Parece que pula de barco em barco, sem rumo, sem destino...

Eu lamento que você sofra tanto, doeu e mim cada pesar seu, mas reparei quando estive aqui da última vez que desde que te vi só tenho olhos para você... Que lança seu olhar cumprido sem nada enxergar, somente sua dor e seus conflitos.

Não pretendo voltar aqui, mas deixei uma cerveja paga para você, o nosso último brinde!
Desejo que você seja muito feliz... Queria apenas que você soubesse que um dia alguém que nunca quis te incomodar gostou de verdade de você!
Um beijo

S.E.
Noca”


Noca saiu apressada com medo de trombar com o Pablo no caminho. Aos poucos sua imagem foi sumindo na rua, sem deixar rastro do seu destino.

Historias de Meadora: a despedida do retirante

O dia nasceu, a tarde passou e por fim a noite caiu. Foi assim por algumas semanas e Meadora que antes fora carregada por tantos hectares agora havia se tornado vigilante.
O viajante que a transportou por um curto espaço de tempo estava adormecido no chão, deitado sob a árvore que já nem era mais tão rasteira assim. Meadora só abandonava sua forma de menina e deixava o peito macio do jovem-velho rapaz para pegar água de uma fonte ali por perto.
Rapidamente enchia sua boca com aquele líquido translúcido e retornava para alimenta-lo. Meadora contava historias para ele e alisava seus cabelos macios. Ela o beijava e sussurrava em seu ouvido coisas bonitas, coisas que ela desejava que ele se recordasse se um dia voltasse a acordar. O tempo passava e nada dele despertar... Certa noite Meadora escutou os uivos dos lobos e sentiu uma sensação tão familiar. Fechou os olhos e cantou junto! Em sua cabeça, fleches de uma prainha branca, de um barqueiro encantador, areias quentes, tubarões falantes e então FRIO! Sentiu um arrepio forte na espinha, uma dor na alma como se revivesse um desmembramento... A jovem não guardava lembranças doutrora, mas seus sentidos permaneciam vivos. Seu corpo tremeu com força e ela percebeu que iria desmaiar, enfraquecida se arrastou até a fonte. Ao chegar à margem viu seu reflexo na água e notou que os dias passaram. Estava com muita sede e bebeu daquela seiva ate sentir-se saciada! Caminhou lentamente na direção do Retirante e viu em seu rosto todo o cansaço que ele sentia. Ela se lamentou, mas já não podia mais esperar ali... Parada... Tinha muito desejo de viver! Meadora fez de um fio do próprio cabelo uma corrente e de uma de suas lágrimas um pingente, que brilhava feito um cristal! Colocou na palma da mão do Retirante como uma lembrança do tempo que "viveram"... Beijou o belo mais uma vez, devolveu a capa com a qual um dia ele a cobriu e partiu. Coração apertado, lutado contra si mesma... 

Ela olhou para o céu e notou que conseguia se guiar pelas estrelas. Não sabia aonde iria chegar, mas tinha certeza que chegaria...

"Alguma coisa diz que é pra eu ir embora
E outra diz que eu quero você pra mim"

Basta


Basta de promessa que não se cumpre
De pesar que não cesse
Trilha que não se cuida
Lágrima que não seca

Basta de sentimento que não se assume
De medo que governa
Chega de solidão que une
Desejo que impera

Basta de choro escondido
Música que ninguém escuta
Buraco que não fecha
Chega de pedacinho de vida
Basta de final de festa!

Dente de Leão


Finalmente tudo ficou claro! Ela sentiu que a última peça daquele quebra-cabeça gigante terminava de se encaixar. Ela pediu em reza a semana inteira por um sinal, por um indício... Voltando para casa ficou intrigada com uma flor no chão, quase tirou uma foto... Era um Dente de Leão. JURO!
Estava tão exausta que dormiu a tarde e a noite inteira, não queria ver a cara do mundo ou ler qualquer coisa que lhe tirasse o sono. Então logo pela manhã foi confirmar suas sensações...
Foi duro, mas percebeu que TUDO que Ele fez e deixou de fazer foi por Ela¹ e que Ele nunca saiu do lugar. Ele ainda está sentado, às 7hs da manhã, fazendo sua sagrada pausa para um café com Ela¹. E talvez seu maior medo seja de ir buscá-la e descobrir que a utopia do seu sonho só será real em pensamentos. Mas enfim, Ele não sai daquela mesa a mais de um ano, como poderá descobrir se Ele e Ela¹ um dia serão felizes juntos? E sabe, a última cabeça que se deitou no travesseiro Dele não foi a Dela, porque todas as noites, é com Ela¹ que Ele dorme: presa nas pálpebras; enrolada nos cabelos; instalada e dona da cama, coberta, coração e claro do travesseiro!

Ela se levantou da mesa onde digitava suas palavras cansadas, batidas e não teve forças nem para chorar. Na sua cabeça ecoava a certeza de que NADA foi para Ela e não importava o quanto dissessem o contrário que Ela nunca mais iria acreditar. Resolveu acender seu fiel companheiro, aquele que realmente desejava seus lábios e deu longas tragadas. A cada fumaça que soltava tentava se esvaziar junto...

Obrigada pela resposta!

Ela¹: a única 

Alice: a toca

Alice se curvou para alcançar debaixo da cama, as mãos procurando por sua mala lilás de bolinhas verdes! Levantou-se com ela e quando a abriu para colocar suas roupas dentro, reparou que havia uma passagem secreta. Curiosa que só, foi se inclinando para enxergar melhor e "pluft", escorregou lá para dentro! Na verdade a quem diga que ela mergulhou e eu acredito que tenha sido assim mesmo. Alice e sabida e só faz o que quer, quando acredita que é chegada a hora. Se ela pulou para dentro de si mesma e porque sabe que está pronta para tudo que vai encontrar e caso ainda não esteja, quando chegar o momento ela estará!

Ensaio sobre a mentira

A pergunta que sempre me faço agora me parece estar respondia... Não é para os outros que mentimos e sim para nós mesmos! A mentira nos joga ao confinamento, pesa no peito e na alma. Só a verdade pode trazer a libertação!

 O principal é não mentir para si mesmo. Quem mente para si mesmo e dá ouvidos à própria mentira chega a um ponto em que não distingue nenhuma verdade, nem em si, nem nos outros e, portanto, passa a desrespeitar a si mesmo e aos demais. Sem respeitar ninguém, deixa de amar e, sem ter amor, para se ocupar e se distrair entrega-se a paixões e a prazeres grosseiros e acaba na total bestialidade em seus vícios, e tudo isso movido pela contínua mentira para os outros e para si mesmo. Aquele que mente para si mesmo é o primeiro que pode se sentir ofendido. Por às vezes é muito agradável ofender-se, não é mesmo? É que ele sabe que ninguém o ofendeu, e que foi ele mesmo que inventou a ofensa e mentiu para enfeitar, ele mesmo exagerou com o fito de criar um quadro, aferrou-se à palavra de um arqueiro fez um cavaleiro –, ele mesmo sabe disso e ainda assim é o primeiro a ofender-se, e ofender-se a ponto de achar isso agradável, de experimentar uma sensação de grande prazer, e assim chega também a uma animosidade verdadeira”…

Os Irmãos Karamazov de Fiódor Dostoievski - tradução de Paulo Bezerra, pela editora 34

Ná, ne, ni: Noca! (com trilha)

Quando Ela nasceu por pouco não recebeu o nome de Camila... Os pais da menina pretinha que chegou no elevador do Hospital Maternidade São Camilo pensaram um pouco mais e acharam que ela tinha cara de Natália! A danadinha foi crescendo: polêmica, crítica, esperta, alegre... Era a hora de mandá-la para a escola! Primeiro dia e Ela com sua mania de se perder por aí, vai parar na sala do diretor. Lembro-me até hoje daqueles olhos gigantes admirados pelos quadros na parede com nós de escoteiro e Ela perguntando na lata "foi você que fez todos?". José Augusto, na ocasião diretor do Colégio São João Gualberto, desceu as escadas com a cabeludinha saltitante e orientou os pais a colocá-la numa série a frente, pois Ela teria condições de acompanhar a turma. Foi nesta época em que conhecia as letras que ganhou de sua mãe o apelido esquisito, mas que Ela sempre amou: Noca! Ele vinha acompanhado de uma música, mas essa vai permanecer em segredo... Noca esticou, mas não abandonou o velho hábito de se perder e se encontrar, de sair perguntando e descobrindo tudo o que deseja saber... Os medos não são mais do espantalho ou do monstro do armário, mas se eles não foram capazes de torna-la infeliz antes, não será agora que vão impedi-la de viver!

"Fala pra ele
Do disco do tom jobim
Do seu apelido e de mim
E chora"

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

(por)Enquanto



Enquanto espero, aprendo

Enquanto aprendo, troco

Enquanto troco, cresço

Enquanto cresço, vivo

Enquanto vivo, espero...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Noca: de volta ao bar

Quando ele entrou os olhos dela brilharam! Noca retornava no mesmo bar quase que diariamente na esperança de reencontrar o belo rapaz do outro dia. Mas a alegria que a moça sentiu foi substituída por uma imensa agonia... O jovem se escondia atrás das lentes de seus óculos escuros, mas era possível ver as lágrimas que corriam por seu rosto. Noca chegou a se levantar, mas... Não! Uma força maior que a própria gravidade puxou ela de volta para a cadeira. Era como se ali se cumprisse um ritual, que não devia ser interrompido. Ela percebeu que ele buscava naquele bar um refúgio do dia a dia, uma pausa para seus pensamentos, uma bebida quente para aquecer seus sentimentos, um balcão para apoiar os cotovelos enquanto se entregava ao próprio choro. Noca não desejava incomodar e fez companhia para ele a distância. De sua mesa ela lhe deu um abraço e fez carinho... Imaginou-se pegando um lenço de sua bolsa e secando seu pranto. Já se passavam mais de quarenta minutos e então ele olha para o relógio e sai apressado, como da outra vez. “É... Ele deve estar indo ao encontro de alguém” diz Noca a si mesma com imenso pesar. Agora era a vez dela acender um cigarro, dar outro gole na sua cerveja quente e lagrimar...

(escrito ao som de Tristão e Isolda - Wagner)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Ela e o Escuro

Ela abriu a porta da casa vazia e se reconheceu! Percebeu-se nos móveis silenciosos, no sofá solitário... No porta retratos sobre a estante, uma foto com um sorriso falso lhe cobrando para ser feliz! Oh Deus! Ela havia jurado o dia inteiro que não faria mais visitas ao Escuro, mas não imaginava que o receberia como hóspede naquela noite. "Pode entrar, mas vá antes do amanhecer, assim que eu dormir..." disse Ela tomando outro gole de rum. Ela não podia estar bebendo, mas rodava na penumbra com a garrafa na mão. Cansou de pensar em não pensar, de lembrar de se esquecer, do próprio humor inconstante. Afundou o corpo na cama e chorou suas lágrimas gordas outra vez. Fingiu que não estava ali, que era outra pessoa e se perdeu em seus delírios... Desejou que o tempo voasse, para que as respostas surgissem, para que a cura se instalasse, para que a transformação acontecesse! Adormeceu falando para as paredes que já eram suas velhas e íntimas conhecidas...

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Historias de Meadora: o encontro com o retirante II

E então depois de longos quilômetros carregando Meadora nos braços, atravessando os dias e as noites, finalmente o cansaço parecia ter acometido o viajante. Ele procurou em meio as árvores rasteiras um canto seguro para se deitar e colocou o seu pequeno embrulho sobre o peito. A lua brilhava cheia no céu escuro, não demorou muito para ele dormir profundo. Meadora percebe uma chance de fugir e retomar o próprio caminho, mas qual era mesmo? Suas últimas lembranças claras eram a de sentir frio, ser sugada por um furacão e então acordou no meio do nada, onde logo foi encontrada pelo bom homem que agora repousava. Tentou ver novamente o rosto dele, esticou sua cabeça e mirou bem fixamente... Ele era lindo! Tinha um sinal logo abaixo de um dos olhos que a deixou hipnotizada. Ela desejou tê-lo dentro de si uma vez ao menos antes de partir. Foi quando aos poucos retomou sua forma de mulher, feita de seios e coxas quentes, abriu cuidadosamente as vestes do Retirante e o tocou. Inclinou-se sobre ele beijando-lhe os olhos e os lábios, ele respondeu com um gemido bom! Ela tocou as próprias partes e umedeceu a boca dele com o mel que saia dela... Sentou-se sobre ele que a penetrou, ainda adormecido... Meadora se contorcia de prazer e paixão! Teve com ele por muito tempo, até chegarem ao ápice e então dela brotou um rio de águas claras e doces. Exausta e completamente extasiada Meadora decide adiar sua partida para a próxima parada. Veste o jovem, deita em seu peito e retoma a forma de menina...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Ela: essa nova mulher ou a mulher da vez

Quase tudo que Ela andava fazendo era assim: no silêncio, resolvido praticamente na última hora... Decidiu que precisava de pele nova, a antiga estava lhe dando coceiras. Ainda na dúvida se daria certo ou não, se era mesmo isso ou aquilo, resolveu mudar! Chegou ditando as fadas como desejava ser desta vez e a transformação logo começou. A cada mexa do seu cabelo que caia no chão ela se despedia de alguma parte do passado, tão velho que antes que a madeixa tocasse o piso Ela já não se recordava mais do ocorrido. Foi aos poucos se despetalando, soltando as escamas, trocando as penas... No reflexo do espelho observava o seu renascimento, outra vez! Era como se naqueles encontros ela enfiasse a mão goela adentro e retirasse a nova mulher que estava presa lá no fundo, pedindo para surgir! No final daquela tarde ainda tinha a mesma voz, o mesmo nome... Mas agora era possível ver por fora algumas das mudanças que Ela fez lá dentro...

"Eu fiquei maluca"

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Histórias de Meadora: furacão vermelho III ou o encontro com o retirante

Meadora estava deitada no chão, recém-nascida, recolhida e conformada com sua tão conhecida solidão. As lágrimas escorriam por seu rosto, sentia fome, frio, medo... Foi quando escutou barulho de passos aumentando em sua direção e rapidamente camuflou suas formas de mulher no corpo de uma menina e fez silêncio. Um homem a descobriu e aproximou-se tanto dela que quase a tocou com o nariz. Sem pestanejar ele a tomou em seus braços e secou suas lágrimas. Retirou o próprio casaco e a envolveu. Há tempos que Meadora não se sentia protegida, acolhida... Aquele desconhecido lhe era tão familiar... Ele se levantou e partiu com ela no colo. Meadora estava assustada, mil perguntas ecoavam na sua cabeça “quem é ele? O que ele fará comigo? Como pretende cuidar de mim? E quando ele descobrir que não sou tão pequena? Para onde está me levando?” Os pensamentos de Meadora foram interrompidos por um sono gostoso que o caminhar do retirante provocou. Ele a embalava e conversava com ela, hora com palavras, hora por pensamentos e teve momentos que ele apenas a abraçava mais forte e então Meadora sentia as batidas de seu coração. Meadora experimentava algo diferente, ela que não sabia confiar em ninguém, sentiu que podia dormir tranquila naquele colo quente...

"Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado."

Alice: o cão de três cabeças

Alice estava no ponto esperando seu ônibus e reparou num cachorro de três cabeças parado na calçada. Magrelo, cheio de falhas no pelo, olhar perdido... Parecia sem esperança. Alice se distraiu no celular e quando voltou a procurar pelo bicho o encontrou deitado no meio da pista! Um ou dois carros desviaram dele, mas o caminhão que seguia em alta velocidade não conseguiria fazer o mesmo. Sem pensar Alice saiu correndo e o tirou quase que no ultimo minuto daquele lugar! Ambos tremendo, ela se sentou com ele no colo e chorou... Ficaram ali, abraçados, o mundo em pause e no mute, só os dois. Era como se Alice tivesse resgatado a própria vida. O cachorro a agradeceu com umas lambidas (dadas pelas três bocas) e seguiu seu caminho, o rabicó abanando, o andar mais feliz... Alice se levantou, voltou para o ponto e tornou a esperar seu ônibus.

domingo, 13 de outubro de 2013

Histórias de Meadora: furacão vermelho II

O furacão girava bruscamente, triturado cada parte do ser de Meadora. Sua carne, sangue e alma se misturavam ao gelo e as cinzas. Ela sentia todas as dores e resignadamente aceitava cada uma delas. O ciclone rodou e rodou até que Meadora perdeu a consciência de quem foi e entendeu que agora ela e o gigante de vento eram um. Alucinada no misto de agonia e prazer ela adormeceu! Girou, rodopiou, trovejou e assim seguiram dias a fio. Eis que um arco-íris apareceu no céu, o sol queimou o vermelho, aqueceu as partículas e o furacão se tornou uma grande nuvem. Gotas gordas pingaram, pesadas e coloridas. Uma semente caiu e penetrou a terra. A chuva aguou o solo e uma folha bem verde brotou do chão. Da folha, uma flor e da flor o corpo de uma mulher começou a se refazer. Ossos, unhas, dentes, cérebro, vísceras, coração, cabelos, lábios grossos, seios miúdos, coxas roliças... Pouco a pouco sua alma gotejou sobre sua pele e uma brisa suave entrou pelo seu nariz inflou seus pulmões e lhe devolveu a vida. Meadora despertou e deu um grito alto que ecoou por toda a região. Não reconhecia onde estava. Não havia ninguém. Meadora estava sozinha, por conta própria...

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Dre

O despertador de Dre não precisou tocar, "não se acorda quem nem dormiu" pensou ele virando-se para o outro lado. Pegou na cabeceira da cama seu canivete e talhou a parede contabilizando mais um dia. Fechou os olhos e aguçou os ouvidos, escutando o silêncio da casa, a respiração do seu cachorro que dormia tranqüilo na sala. Sentiu inveja dele, pensou que desejava nascer um bicho na próxima vida, se é que existe... Lembrou-se que tinha que trabalhar e interrompeu os próprios pensamentos, sentou-se na cama ainda no escuro e chorou... Tomou um banho rápido, ajeitou seu lindo cabelo, bebeu um gole de café preto e já ia saindo quando notou que faltava algo! Tateou os bolsos da jaqueta, no direito encontrou suas chaves, no esquerdo seu maço de cigarros amassados... Desceu as mãos para o jeans, a carteira estava lá, as luvas... "Claro!" Olhou para seus pés e notou que faltava sua bola de ferro! Entrou no quarto escuro e tropeçou sobre ela. Soltou uns cinco ou seis palavrões bem cabeludos, sentou-se novamente na cama, prendeu o aço em seu tornozelo (que estava bem ferido de carregar aquele peso a tanto tempo) e saiu arrastando sua companheira. "Agora sim, tudo aqui!"

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As cartas de Noca II

O dia ainda estava clareando e Noca já saia para trabalhar. Como de costume, enfiou os dedos compridos e sem esperança pela caixinha do correio quando foi surpreendida com um envelope. Sentiu uma onda de calor tomar seu corpo, era uma carta dele! Noca reconhecia pela espessura do papel, pelo decalque que as palavras intensas geravam, pelo cheiro doce da carga da caneta... Puxou com tudo e levou o papel contra o peito que batia feliz e descompassado. Olhou o destinatário e reconheceu a letra dele, seus olhos sorriram! Estava para perder o ônibus então correu e guardou a carta no bolso para ler com calma mais tarde. Passada a manhã e o almoço, Noca foi até a esquina que costumava lhe fazer companhia na hora do cigarro, para saborear tranquilamente seu envelope. Abriu com cautela e passou os olhos pelas escritas uma, duas, três... cinco... dez... inúmeras vezes! A mente e o coração trabalhando em movimentos opostos. Não entendia, mas sentia! Sim, ainda pairava um certo silêncio entre eles... Noca queria responder, mas só conseguiu deixar escapar uma única palavra "obrigada!"

Diário dos Sonhos: pés molhados

Sonhei que encontrava com um amigo numa praça. Havia chovido muito e em alguns locais a água empoçou bastante. Eu estava usando uma sandália aberta e tentava desviar das poças de lama para não sujar os pés. Meu amigo me ajudou como pode, me pegou no colo, girou, ergueu... Até que escutamos um barulho e olhamos para trás. Uma pequena "onda" de água e terra nos alcançou molhando até os nossos joelhos!
Enfim, não adianta lutar contra o inevitável...

A Sra. T

Depois de um período de jejum finalmente chegara o dia de se encontrar com a Sra. T, enfim nutrir-se! A tempos ansiava por este momento: sentar-se frente a grande sabia, a mais velha, aquela que auxilia no desenrolar do novelo. E eram muitos os bolos de linha! Então depois de escalar o morro que levava até a Sra. T, Ela entrou e sentou-se ao lado de Noca, Meadora, Alice, A Mulher Invisível... Estavam todas presentes! Cada qual portava sua linha e agulha nas mãos. Sem mais delongas começaram o delicado trabalho de tecer seus medos, mistérios, sonhos, segredos, amores... A Sra. T orientava calmamente, pacientemente, carinhosamente e ao final do tempo todas elas voltaram para casa com um pé de meia para aquecer um dos pés...

terça-feira, 8 de outubro de 2013

As cartas de Noca

Na família de Noca escrever era hereditário. Herança esta que ela descobriu cedo, brincando na máquina de escrever de sua avó. Aliás, sua avó materna foi sua grande mestra! Nos sábados a noite costumava ler suas poesias e cantar músicas da época que tentou carreira no rádio para sua neta, que ficava encantada... Na infância, Noca começou a rascunhar seus versinhos e passou a presentear seus amores com eles. Quando ela se apaixonava comunicava o garoto assim, por escrito! Os meninos eram muito novos e não compreendiam a profundidade daquela jovem mulher, que iniciava também naquela fase suas dores de desamores... Noca cresceu e com ela o carinho pelas palavras e seus significados. Um dia resolveu "organizar" todos os seus escritos  num local só e abrir seu livro para quem quisesse ver. Descobriu que era uma maneira de expressar seus sentimentos, diluir angústias, prosear, inventar liberdade... Conheceu pessoas que faziam algo parecido e passou a se corresponder com algumas delas. Diariamente, fizesse chuva ou sol, ela ia até a caixinha do correio e colocava sua mão lá dentro, coração aos pulos, ansiosa por suas cartas! Uma em especial sempre fazia seu peito bater mais forte e a respiração ficar ofegante. Mas teve um dia que a carta não chegou... Nem no outro, ou depois deste, seguinte a aquele... Os olhos de Noca molhavam seus papeis e ela relia as trocas mais antigas tentando reviver emoções de outrora. Aquele silêncio era cruel, doía em cada parte do corpo de Noca. Sentou-se mais uma vez em um canto qualquer e escreveu cartas para o vento e para o tempo. Aquelas que infelizmente você jamais vai ler...

domingo, 6 de outubro de 2013

Alice: o coelho e o relógio

Alice acordou cedinho, passou a mãos nos livros e foi para o parque. Tinha tanto para ler e fazer, não desejava perder tempo! Chegando lá, andou um pouco a procura de um espaço tranquilo, de preferência debaixo de uma árvore... Sim, aquela era perfeita! Abriu sua canga e seus livros e começou a estudar. Passadas algumas horas que estava envolta aos próprios pensamentos, reparou num coelho branco: gravata borboleta, relógio grande nas mãos, andando pra lá e pra cá resmungando seu atraso. Ela o olhou por cima do livro e retomou sua leitura. Foi quando o coelho já nervoso cutucou Alice pelo braço:
- Você não está me vendo aqui? Estou atrasado e não tenho o dia todo para esperar você vir atrás de mim! – esbravejou o coelho apontando as horas de seu relógio dourado.
- Este é o seu relógio, não o meu. Pode continuar no seu caminho que não pretendo sair do meu. – respondeu calmamente Alice.
O coelho branco ficou rosado de tanta vergonha e aceitou o conselho da jovem, tomando seu rumo! Alice? Bem, ela terminou sua leitura, comeu uma tapioca, dobrou a canga e no final do dia nem se lembrava mais do coelho irritadinho.

Histórias de Meadora: furacão vermelho

Enquanto Meadora estava deitada em vigília sobre o gelo o mundo continuou a girar. Do seu “posto”, ela escutava conversas ao redor, histórias sobre o mar e seus encantos. Lendas das criaturas que habitavam o oceano, sobre o Barqueiro e pescadores... Meadora escutou um barulho alto, sentiu um frio ainda maior lamber sua pele e subir por sua espinha: do céu brotou um furacão! Ela olhou para as margens querendo ver se Dna. Quitéria estava em segurança e então se deparou com a grandeza daquele ser de vento que engolia a neve e as cinzas, como quem ara o solo preparando para o próximo semeio. O danado era tão forte e intenso que rachou o congelado das águas no momento que as atingiu. Seguiu na direção de onde Meadora se segurava e a puxou com força. Ela fechou os olhos por um segundo, então os abriu novamente, beijou o mar e se soltou. Entendeu que não havia como(pra que) resistir, lutar contra a determinação do Tempo, do destino, do (não)querer... De olhos bem abertos, o mais que pode, ela se despediu e assistiu mais uma transformação do local. Meadora foi sugada para dentro do ciclone que torceu, virou e revirou todo seu corpo, até que num suspiro ela se entregou e explodiu! O furacão tingiu-se do vermelho sangue de Meadora e partiu em tempestade, para trovejar em outro lugar...

"Tempestade, vendaval (emocional)
Tem piedade de quem..."

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Alice

Alice estava encostada no bar do salão. Virou para traz e pediu um suco para o rapaz que alisava o balcão com um paninho surrado. Ficou observando as pessoas se mexendo, vez ou outra marcava o ritmo da música com os pés. Um jovem se aproximou e a convidou para dançar, Alice agradeceu com um sorriso e negou com a cabeça. O suco chegou e ela nem havia dado o primeiro gole quando outro homem se ofereceu para lhe pagar um drink. Mesmo sorriso, mesma negativa. Foi quando uma garota chegou e perguntou se ela não queria dançar... Alice novamente sorriu e respondeu: 
- Estou esperando!  
- Um par? - indagou a garota
- Não, "A" música!
Alice terminou de tomar seu suco fazendo um barulho danado com o canudo. Escutou sua canção nas caixas de som e finalmente saiu dançando sozinha, rodando e pulando pelo salão.

"Just try to see in the dark
Just try to make it work"

Noca: chico, soneto e suspiro

Noca adorava uma poesia! Vez ou outra, ao ler um versinho aqui, um soneto acolá sentia seu coração ser invadido por diversas cores. Às vezes escapava uma lágrima, noutras um sorriso de canto... Eventualmente ensaiava escrever algo tamanha era sua inspiração, mas logo parava. Lia, relia, amassava seus esboços e apenas suspirava.

Eis o último ladrão de “respiros” profundos:

Soneto

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio


Chico Buarque

domingo, 29 de setembro de 2013

Fênix

para você

Realmente querido, as pessoas não apreciam muito falar sobre a morte! Acredito que por um motivo simples: falar do fim nos remete ao começo, ao meio... E aí surge uma pergunta cruel que martela constantemente, aquela dúvida que em alguns dias fala alto, em outros grita, tem horas que nem escutamos que ela ainda esta ali nos questionando: o que você tem feito da vida? É, um dia vamos morrer! E quando a morte chegar, ela não vai querer saber se você tem muita ou pouca grana no banco, porque ela não vai aceitar suborno. Não interessa se você iria começar uma dieta na segunda, se planejou uma viagem para Julho do próximo ano, se iria dizer depois de tanto tempo “eu te amo”, não... A morte não quer saber quantos filhos você vai deixar, quantos sonhos ainda faltam realizar. Não! Quando ela chega, implacável, é a hora. Essa batalha o ser humano perde. A medicina avança, mas a natureza, o curso do rio não se altera. Quantas dores e delícias ainda teremos pela frente? Ninguém sabe, só O Verdadeiro Dono do livro. Então, a gente mergulha e sente o que cada estação preparou ou passa o resto do dia deitado na cama olhando pela janela? Mais uma vez: eu sei, não é fácil, e tem horas que estamos tão cansados... “A dor é algo inevitável, o sentimento de que lhe falta algo é indescritível, então nestas horas só pedimos forças aos amigos. Força a todos os familiares, amigos e conhecidos...” E é quando a mágica acontece, nos lembramos que as pessoas podem ser lindas, solidárias, generosas e que ainda vale a pena. É horrível perder alguém, penso que nunca estaremos realmente preparados para isso. Quando uma pessoa próxima falece leva uma parte nossa também. Mas creio que a morte não seja o fim. Nela existe a oportunidade de se olhar novamente, de renascer, reinventar, recriar, recomeçar...

A Fênix é um pássaro da mitologia grega que quando morria entrava em auto-combustão e passado algum tempo renascia das próprias cinzas

"
Quem me diz

Da estrada que não cabe onde termina"

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eu

Eu sou a pessoa que ora por você o dia inteiro, que te força a se olhar de frente e sair debaixo da saia da mamãe. A garota que para de dançar na balada para te escutar e o encorajar a voltar para terapia. Quem esperou oito anos pelo romance que não aconteceu e ainda consegue sentar para tomar uma cerveja com você sem mágoas. Eu, a chata que insiste para que você leve uma blusa, que luta com você pelos negócios. A que vai ao casamento do “ex”, vestindo verde, pedindo a Deus para que dê certo. Sou eu quem dá amor para os filhos dos outros (as) como se fossem os próprios. A moça que fica fazendo carinho em você até você dormir, enquanto você dorme e depois que você acorda. Sou eu que faço muita coisa com você na cama e se comporta na mesa do café. A menina que topa um boteco fuleiro, que se preciso aprende como encher uma laje e no final do dia veste um tubinho preto e come com dez talheres. Adulta o bastante para abrir mão dos próprios sentimentos e ser somente uma amiga caso você precise... A amiga. A preparadora. A ponte.
Eu sou a mulher que não nasceu para ser amada, mas há que você sempre irá se lembrar!  

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Noca: voluntária

"Voluntário é a pessoa que realiza determinada ação de livre e espontânea vontade."

Noca estava perto da estação quando viu seu trem chegar. Ela poderia ter se apressado e tentar alcança-lo, mas estava cansada de correr atrás de tudo. A mochila pesada marcava seus ombros e segurava sua caminhada. Achou melhor aceitar o que a vida estava lhe propondo e deixou a porta fechar, assistindo a minhoca metálica prosseguir. Quantas vezes já não tinha apertado o passo para alcançar alguém? Quantas vezes já não havia chego atrasada na vida das pessoas? Era como se seu relógio nunca estivesse na hora certa: ou muito cedo, ou muito tarde... Nunca no momento exato! Era fase de seguir só, de agir só, de semear e só. O outro trem chegou e Noca entrou procurando um lugar no fundo para se sentar e executar sua pratica mais comum: observar! Avistou dois homens rindo das coisas simples e bobas da vida, notou que seu sorriso já não era fácil fazia tempo. Mais a frente um casal aos beijos e ela percebeu que já não acreditava mais no amor. Não para si mesma. Amor era algo que aos poucos Noca foi desistindo, abandonando, afogando, soterrando... “ESTAÇÃO LUZ!" seus pensamentos foram interrompidos e Noca retomou o beat. Apressada desceu as escadas.

Diário dos Sonhos IV: abandono ou Barba Azul

Acordei assustada, corpo mole e coração aos pulos. Também pudera, passei a noite em fuga! Sonhei que tinha uma sogra omissa e passiva, que endossava as atitudes vergonhosas de seu filho. Filho este que no sonho era meu marido! Ele era machista, grosseiro e violento. Esnobe, tratava todos como empregados. Cansada de seu comportamento, anuncio que vou deixá-lo. Fiz isso num shopping movimentado, esperando que o local público pudesse me proteger de mais agressões. Ele fingiu que não entendeu, então quando estava saindo se voltou para traz e me ameaçou: "eu vou te achar, não importa para onde você vá! E aí... Aí você vai experimentar o meu castigo!"
Saí correndo e me escondi no estacionamento, sabia que ele estava me seguindo e planejava me atropelar. Encontrei alguns amigos (todos homens) e implorei por uma carona para casa. A carona não aconteceu, mas meu marido apareceu... Acordei assustada e desliguei meu despertador, são 5:15hs

Azul ou A fonte dos desejos II

Voltando pra casa, pela segunda vez, Ela encontra Azul. Seria um sinal de que estaria refazendo corretamente seu caminho? Algumas coisas não mudaram, determinadas sensações ainda eram presentes, mas hoje o diálogo é outro, a maturidade é diferente. Eles riram do que não fizeram e agradecem por ter sido assim. 
Ela olha para o chão e vê uma moeda, semelhante a que jogou na fonte dos desejos em outros tempos. Mas e agora, o que pedir?


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Noca: no bar

Noca estava andando a esmo quando sentiu muita sede e resolveu entrar no primeiro bar que encontrou. Lugar simples, nada demais, ela não entendia o porquê de estar tão cheio. Já estava quase indo embora tamanha a demora em ser atendida quando reparou num rapaz. O garçom tentava lhe entregar sua bebida, mas ele estava distraído observando o movimento e só escutou da segunda vez “sua cachaça senhor!”.
Estavam sentados perto e Noca não conseguia tirar os olhos dele. Era tão lindo, mas carregava um ar tão angustiado... Ele até passou o olhar comprido por ela, mas não a viu. Ele deu uma tragada longa no seu cigarro e soltou a fumaça pela boca e pelo nariz, como se estivesse brincando de fazer desenhos no ar. Noca até pensou em falar com ele, mas era bem claro que ele queria ficar sozinho. Então em sua mente ela criou um diálogo para eles, imaginou que ele deveria ficar ainda mais lindo sorrindo, simulou um brinde... O local estava repleto de casais e Noca se perguntou se ele esperava por alguém. Será que ela estaria para chegar? Ela se levantou para ir ao banheiro e decidiu que quando saísse, se ele estivesse só lhe pagaria uma bebida, mas quando voltou só teve tempo de vê-lo olhar no relógio apressado, terminar sua cachaça e sua cerveja e partir.

domingo, 22 de setembro de 2013

Noca


Olhou uma ultima vez no espelho, passou um pouco de perfume atrás das orelhas, pegou as chaves na mesa  e foi para a rua. Noca precisava bagunçar! Já chegou falando alto, apresentando quem não se conhecia, dando pitaco na conversa ao lado, distribuindo assunto entre os que estavam em silêncio... Noca emprestou os ouvidos pra um, os ombros pra outra e perto do final da noite (ou do começo do dia) dividiu sua boca com aquele que por várias vezes arriscou uns trupés com ela no salão. Ele sabia como fazer Noca rir de perder o ar e ela sabia como deixa-lo sem jeito, sem graça!  Depois de tanto tempo, ser tocada por outro alguém... Ainda era estranho, mas eles tinham certa intimidade e muita afinidade. Sem grilos, Noca se permitiu! O dia já estava bem claro quando ela resolveu voltar para casa. 
- Me deixa te levar? - perguntou o moreno
- Não precisa nego, essa caminhada eu faço sozinha! - respondeu Noca sorrindo e saindo, sem dar a ele tempo para mais argumentações.
No ônibus Noca se lembrava de uma pessoa quando adormeceu. Acordou pontos depois do que iria descer! Deu risada e falou por dentro "é só pensar em você..." Aproveitou a ocasião e passou na padaria! Comprou pão, bolo, queijo, suco...

Diário dos Sonhos III: a viagem e a boneca dos beijos

Estávamos indo viajar de carro. Acho que quem dirigia era meu pai. Tinha alguém no meu colo, mas não me lembro quem. Íamos para a praia! No caminho paramos em um local onde estavam acontecendo eventos. Enquanto o motorista foi resolver outras questões eu comecei a explorar aquele lugar... Outro esquecimento.
Acordei por volta das 6h – Intestino Grosso – absorção e excreção de substâncias...

Saí do sofá e fui para minha cama, lá sonhei que estava subindo uma escada. Não estava só. Eu e meus amigos estávamos encantados com a visão que tivemos de uma boneca e queríamos beijá-la. Ela estava em uma sala, num dos últimos andares. Eram vários lances de escada, lembravam corredores de colégio, mas estávamos seduzidos e determinados! Não me lembro como ou porque recebemos a notícia de que teríamos de voltar. O rapaz tratou de começar a descer as escadas, eu e minha amiga não. Nos olhamos e nos beijamos. Ela estava com um batom rosa vivo nos lábios e para que não ficassem sabendo da nossa troca de prazer interrompemos o beijo e limpamos a boca.
Acordei por volta das 11h – Coração – residência da mente e do espírito...

sábado, 21 de setembro de 2013

Univalente

Confesso que normalmente meu peito arde quando te leio e minha vista fica molhada. Aqueles calores surgem e me desligo do mundo. Entro numa frequência que me conecta somente a você. Por estar distraída do resto já perdi o ponto, a estação, a fala... Fiquei feliz ao perceber a pista que me deixou... Não sei se já estava ali e eu que não notei, mas só reparei na segunda vez!
Pensei em te responder, mas aprendi que nem tudo na vida precisa ser dito, algumas vezes simplesmente porque não conseguimos, outras porque falamos pelo olhar, pelo pensamento, pelo toque... A gente sabe e é isso que importa! E nesses momentos nossos universos se encontram e se tornam um de dois, dois de um, um de todos, vários de nenhum...

 Te gosto!

Do latim prosa, que significa discurso direto, livre, em linha reta”

Histórias de Meadora: neve e cinzas

Meadora acordou sem saber por quanto tempo dormiu. O coração apertado; a boca salgada ainda guardava o gostinho do mar e sua pele brilhava, coberta por cristais de sal. Planejava tomar um banho de rio, mas quando saiu da caverna avistou muita fumaça no céu e soube na hora de onde vinha. Correu o mais que pode! Seus pés, que ainda estavam feridos de tanto ir e vir, cambaleavam e por algumas vezes Meadora quase caiu. Chegou à praia e não conseguia acreditar no que seus olhos viram: quilômetros de mar congelado! No lugar da antiga areia existia um recuo de neve e cinzas. Dna. Quitéria (a antiga moradora) completamente aflita, as mãos queimadas de suas varias tentativas de fazer fogo e impedir que tudo esfriasse. Meadora temeu por Ele! Ela escalou a barreira de neve e caminhou por cima das águas duras e gélidas. Olhou para baixo e localizou o que ela imaginou ser o coração daquela fundição. Tirou as roupas, os pelos, a pele e completamente nua deitou-se sobre o mar. Seu coração era quente e sem ressentimentos, grande e forte! Meadora penetrou sutilmente os dedos das mãos e dos pés no gelo. Encostou seu ventre, sua boca, seus seios, seu coração naquelas águas. Sussurrou baixinho "não tenha medo, eu vou ficar aqui com você até tudo clarear!" Não importava o passado ou o futuro, Meadora conhecia bem o próprio destino e aceitava sua missão. Ei Barqueiro, você não sabe amar? Não se preocupe: Meadora não nasceu para ser amada!

"
Não tema, não
não há problema, não
se você quiser, eu vou praí
tudo pra fazer você feliz."


Qual é a música?

Ela sabia que Ele não estava bem, mas também tinha suas duvidas de como agir. Até onde poderia ir? O que falar? Ao menos Ela estava feliz com o retorno do Poeta. Sim, era uma pequena fechadura pela qual Ela poderia ouvir sua mente, suas emoções e tentar entender o que se passava. Ao ler apressadamente a tempestade de "desabafos" sentiu-se ainda mais semelhante a Ele. Tanta coisa em comum... Mas esse sentimento foi rapidamente subliminado pela ansiedade de chegar em casa e silenciar o mundo, para dar atenção somente aos escritos Dele. Observar cada ponto, cada vírgula, cada sensação. Era impossível ler uma vez só! Ela queria escutar a musica que ele escolheu por para tocar...

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Histórias de Meadora: de volta a caverna

Meadora ainda estava saindo quando escutou risadas de mulher. Atendendo ao seu reflexo olhou para traz. Antes que pudesse ver o rosto "dela(s)" – que se aproximava(m) da água – desviou o olhar para adiante. Notou que o Barqueiro se preparava para fazer outra travessia. Meadora nunca quis saber quem "elas" eram, mas o destino e o descuido assumiram a situação. Voltou-se novamente para frente e seguiu seu caminho. Não se perdeu na volta. Obedeceu  seus instintos e encontrou sua trilha. O mato estava alto, Meadora percebeu que estava carecendo de cuidados. Ocorreu-lhe carpir um pouco, mas logo desistiu. Não havia pegadas, nenhuma marca de que alguém tivesse tentado se aproximar. Algum tempo depois e estava em casa, uma caverna rústica e de aparência sombria. Para penetrá-la era necessário se espremer um pouco para passar pela pequena fenda. Ali Meadora se imaginava protegida do sol, da chuva, das lavas e ventos... Do tempo! Já não era mais estação para hibernar, mas Meadora estava tão cansada que largou seus ossos no chão e tentou dormir.

"Ainda não fazem pessoas de algodão"


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Diário dos Sonhos II - gravidade horizontal

A rua esta vazia. Olho para traz e as luzes se apagam, tudo vira um breu profundo. Luto para andar, seguir em frente, mas sinto uma força semelhante a gravidade me puxando para a parte escura. Resisto e me agarro a um poste, não há progresso nem regresso. Olho para o lado e vejo um vulto passando, sei que é um homem. Não o reconheço, mas também não penso em lhe pedir ajuda. Sinto meu coração disparado e escuto um som que cresce aos ouvidos. Percebo que é uma voz feminina, me lembra uma ladainha de igreja. Abro os olhos e a voz ainda é presente, não consigo entender se estou acordada ou sonhando... Viria de dentro ou de fora? Sonolenta, me levanto e ascendo a luz, coração pulsando na boca feito batedeira. Me falta o ar! Olho no relógio, novamente são 3h da manhã. 
Segundo os chineses, a energia "caminha" pelo corpo a cada 2h. Passeia pelos meus pulmões na madrugada. A tristeza não me dá um desconto nem quando estou tentando dormir.

Diário dos Sonhos I - força pra ponte

Meus sonhos ficam cada dia mais claros! Começo a entender o(s) significado(s) que meu inconsciente atribui a cada símbolo. Ainda me questiono quanto os sonhos premunitórios, não duvido da veracidade deles, só me falta mais experiência para identificá-los. O medo atrapalha muito... na verdade,  posso usar esta "sensação" como indicativo... Bem, tenho me lembrado de quase todos os sonhos e com uma ajudinha de dois amigos estou dando força a esta ponte que surgiu tão naturalmente.

Mental Mala

Inquieta, irritada, dispersa... Necessidade de por as coisas pra fora, mas elas não vem. Que coisas são essas? Repetidas, novas? Todo post parece em algum momento querer dizer a mesma coisa. Mas que coisa é essa? Espreme, aperta a espinha, machuca a pele e... nada! A "sujeira" não vem. Será que tudo precisa ser ainda mais digerido? Inferno astral? Carência? Egocentrismo? Cansaço? Cala a boca "mental mala"! Por favor, silencie dentro e fora de mim!! Troca a música, desliga o rádio, mais um repeat... Não quero um vaso quebrado na minha sala, não quero ser vaso quebrado na mesa de ninguém, mas quem está inteiro? Quem não tem lascas, dobras, marcas? Palavras, palavras, palavras... Não dizem nada! Ações, atitudes, pausas...  Não mostram nada, não provam nada! Paciência! O coração bate descompassado, na fé, na esperança de que algo vai mudar, vai acontecer... Tô certa? Não é assim que acaba a historia, é? Não sei... Não sei... Quem sabe? Quero entrar no quarto, fechar a porta e sumir... Não! Quero pegar o ônibus e sumir... Não! Quero que você me ache... Não! Quero me achar... Não sei, não sei, quem sabe? Porque me angustia quando conto meus segredos? Porque ela me "conhece" e me diz que estou com cara de doente? Porque eles todos não param de bater na porta e me deixam terminar? Esperem! Porque suas palavras me dão calor e me deixam inquieta? Porque seu silencio me preocupa? CALA A BOCA MENTAL MALA! Mala, mala, você é um mental mala, mala, mala, você é um mental mala...

"
Tire sua fala da garganta

E deixa ela passar por sua goela"

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Visitante misterioso

Estas suas visitas silenciosas... Confesso que me deixam curiosa! Quantas vezes você leu cada um? Você leu? Gostou? O que diria se tivesse coragem, se tivesse vontade? Queria ver suas feições quando "se percebe" nas minhas linhas, queria ser uma mosquinha bem pequena e pousar na tela do seu computador, te olhar de frente e observar tuas expressões... Elas mudam? Você dá aquele sorriso de canto ou faz aquele olhar manso que eu tanto adoro? Ou será que mete logo uma bufada e rapidamente muda de página? Você vem mesmo aqui? Seja bem vindo ao meu mundo de sonhos, desejos, fantasias, dores, delicias e desabafos! Tem um pouco de tudo, entende? Meu visitante misterioso, que beija e cheira meu cangote na calada da noite. Sentado no jardim no meio da tarde... Segura em uma mão sua velha xícara empoeirada e com a outra passeia os dedos pelo teclado, a mesma sutileza que tinha ao me tocar. É assim que te imagino... Seja sempre bem vindo, na minha vida virtual e na real. Quando estiver pronto para trocar algo comigo descortine-se e venha. Tenho uma coleção de canecas e um café perfumado esperando uma boa companhia!