segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

(re)encontro | calor bom

A luz da lua
Da noite
Da rua
Te vi montado sobre mim
Eu onça
Eu gato
Eu nua
Você peixe
Você tigre
Você sol
Sorrindo
Lábio entre abrindo
Pernas completamente abertas
Corpo macio 
Encaixe
(Re)encontro
Carne doce
Mistura de cheiros, gemidos
Te nomeio
Te batizo
Calor bom! 

domingo, 3 de dezembro de 2017

eu ou nós

Não sei se todos sabem, mas sou Musicoterapeuta e provavelmente vai soar como novidade pra muita gente, porque normalmente eu não falo da minha graduação simplesmente porque eu tenho o mau "costume" de me sentir meio fraude. Não sei ler partituras. Não lembro como "reger" o tempo com as mãos. Não sei tocar violão. Nessa sociedade x negrx é tido como alguém que sabe menos e hoje percebo o tanto que eu ainda sofro com essa crença limitante.
Minha escola na música começou aos sábados, solfejando os "tican can can" do maracatu. Eu sempre me lembro com calor e alegria do que senti quando vi a batucada pela primeira vez e eu disse pra amiga que me apresentou para aquele universo "Marcela, obrigada por trazer minha alma pra casa!".
Sou filha de uma mulher branca e de um homem negro, eu era a neta branca nas festas da minha avó Horminda e a "morena" das festas da minha avó Alayde - que Oxalá as tenha!
Só quem nasceu "pardx" no Brasil sabe o que é não saber quem é! Só quem nasceu nessa condição entende a emoção que dá quando a gente se encontra com a nossa raíz.

Minha vivência com o maracatu não foi só de flores e felicidades, talvez muita gente ainda negue, mas o rolê aqui em SP já foi bem mais branco e elitizado! As coisas têm mudado, num passo que ainda parece lento, mas inegavelmente está mais colorido.
O machismo também impera, mas a cada dia que passa as mina rocheda tão segurando o baque, o apito dando a letra nas toadas, revelando e denunciando as tantas violências que a gente já engoliu a seco!

Nesse caminho aí de música e encontros eu fiz grandes amigos, vivi amores e tem uma lista de pessoas que me ajudaram a chegar onde estou e eu sempre envio um axé pelo ar desejando que elxs sejam felizes. 
Tem uma pessoa em especial que me ajudou a entrar na faculdade, quando eu já tinha me convencido que eu não era capaz e que isso não me serviria de nada meu primeiro namorado me convenceu a tentar e não me deixava desistir. 

Um dia, num dos lugares que trabalhei como recepcionista, na empresa que eu mais sofri com racismo na vida eu quis concorrer a uma promoção para assistente administrativo e ouvi da minha chefe que eu devia me colocar no meu lugar.
Fui me encontrar com o meu irmão chorando muito, porque todas as vezes que as antigas assistentes brancas se demitiam por não aguentar a chefe eu acumulava função e fazia o meu trabalho de recepcionista e o delas: qual era o meu lugar então? Qual é o lugar da negra no mercado de trabalho?
Eu continuei buscando tentar responder a essa pergunta e eu encontrei parte da resposta! Encontrei o CAPS! 

Em 2011 comecei a trabalhar na área da saúde mental e na minha primeira experiência num lugar que está para cuidar eu adoeci. Sofri intolerância religiosa pesada, pessoas se negavam a compartilhar objetos comigo e até devolveram ou doaram coisas que compraram de mim antes de saber que eu era umbandista.
Eu trabalhava 40h semanais, ia direto pra faculdade em Santo Amaro, chegava em casa e fazia torta e lanches pra vender no dia seguinte, eu dormia DEZ HORAS POR SEMANA e eu nunca era boa o bastante em lugar nenhum. Eu queria morrer de verdade e planejava como fazer isso. Me tratei por mais de um ano para ansiedade e depressão.

Eu me formei, troquei de empresa e continuo trabalhando em CAPS. Muita coisa mudou nesse tempo, mas algumas coisas ainda acontecem: racismo, machismo e intolerância religiosa estão na lista das repetições.

Nesse sábado fizemos o fechamento da II Semana AfroCAPS com uma linda batucada e uma feijoada de responsa e quero repetir um pouco do que eu disse lá: apesar do clima de festa ainda temos muito pelo que batalhar, ainda temos muito que lutar! Num país que foi alimentado e nutrido pelo leite e sangue das mulheres negras não da pra aceitar esse não lugar que nos destinam. Nós não vamos mais pedir licença pra existir, nós vamos tomar o poder, a fala e os espaços!

Gratidão a minha família que está sempre comigo nas minha lágrimas e nos meus sorrisos!

Gratidão imensa a todas as pessoas que estão no relato da minha vida mesmo que "negativamente", eu batalho pra que mais ninguém precise aprender a se fortalecer com a dor que a discriminação provoca.

Gratidão as meninas que estiverem lá e as que não puderam, vocês estavam!

Gratidão pra quem emprestou instrumentos, pra quem me ensinou a tocar!

Gratidão aos colegas e amigos do trabalho que correram junto, que fizeram o exercício de se desconstruir e se refazer, se repensar, repensar a prática da nossa clínica!

Gratidão ao axé que corre nas minhas veias, gratidão a essa ancestralidade que me permeia todos os dias!