sexta-feira, 14 de março de 2014

Ela: a sensação de ser trouxa e o desejo de ser mulher

Ela cometeu o triste erro de olhar para trás. Uma, duas, três, quatro, cinco... Vezes! Enxergou ilusões, enganos, erros... Viu crescimento, mas acima de tudo solidão. Sonhou, desejou, acreditou, esperou... Tudo só. Ela queria crer que seu futuro seria diferente, mas olhava para os lados, observava os novos sorrisos nos rostos conhecidos, os planos "tão falados" enfim executados e Ela ainda estava ali, lutando. Sentia o vazio, o oco, a dor, a solitude em meio à multidão. Fortalecia-se cada dia mais para levar as bordoadas do cotidiano, estava com o corpo todo definido, quase que totalmente masculinizado... Mas será que ninguém era capaz de notar que ali existia apenas uma menina, tentando se tornar mulher? Quem seca as lágrimas que noite após noite inundam seu travesseiro? Quem olha nos olhos Dela e diz que ficará tudo bem? Não de mentira, de verdade! Quem protege o seu frágil coração? Quem realmente cuidaria dela? Quem vai colocar um buque na sua mão?

quinta-feira, 13 de março de 2014

Os devaneios de Sophia: um monstro no meu armário

A Mulher levantou assustada e correu até o quarto ao lado, Sophia teve outro pesadelo e acordou o quarteirão inteiro com seus gritos. A Mulher entra no quarto e Sophia sentada na cama aponta para o armário e repete seguidas e ininterruptas vezes:

– Tem um monstro no armário! Tem um monstro no armário! Tem um monstro no armário! Tem um...
– Sim Sophia, temos vários monstros no armário. – Interrompeu a Mulher.
– Como vai ser? – continuou falando a Mulher – Eu entro e coloco eles pra fora, mas nós sabemos que eles voltam ainda hoje, ou vamos juntas resolver o que tem lá dentro?

Sophia pensou por alguns segundos, coçou a cabeça e por fim esticou a mão até a gaveta da cabeceira retirando de lá duas lanternas:
– Uma pra cada! – disse a menina, levantando da cama ainda com remelas nos olhos.
Pegou na mão da Mulher e seguiram as duas juntas para enfrentar o mundo que as esperava atrás daquela porta e do outro lado dela...

quarta-feira, 12 de março de 2014

Noca: caderno velho, folha nova

Noca teve três diários, que a acompanharam por três anos. Ela sabia como reaproveitar um caderno, colando adesivos na capa, arrancando algumas folhas manchadas, grampeando papéis de bala, fotos de amigos... Como já disse antes, Noca sempre teve amor pela escrita, mesmo não sendo nenhum gênio em gramática, ortografia ou gênero literário, se arriscava a discorrer...
Era ano par, Noca tinha preferência por números ímpares e suas perfeitas imperfeições, tal qual ela mesma e a vida, mas estavam em Março, mês três “que maravilha!” pensou ela. Ótima chance de virar a página! A agenda era a mesma, com marcas de quedas, borrões de carga de caneta, uma história que já havia começado a ser escrita, mas ainda haviam páginas em branco, novinhas esperando pelas aventuras que viriam...

terça-feira, 11 de março de 2014

Histórias de Meadora: O gigante e o labirinto

Meadora acordou com o vômito já em sua boca, teve apenas tempo de se virar tentando não se sujar, em vão. Olhou ao redor e só conseguiu enxergar mato e escuro. Começou a caminhar procurando a saída, se perguntava como foi parar ali... Não recordava de nada! Escutou passos pesados vindos de algum lugar e então correu. Estava perdida, não sabia para onde seguir, foi o mais longe que pode, mas sentia que a cada instante penetrava mais a densidade nebulosa daquele lugar. Cansada, deixou-se cair no chão e chorou. Orou para o Divino, pediu para que sua morte fosse rápida, mas suas preces foram interrompidas por uma mão enorme que a pegou com força e a espremeu. Meadora sentiu todo o ar abandonar seus pulmões e escutou cada osso do seu corpo se quebrando. Aquela sensação era familiar... O gosto amargo que estava em sua boca foi tomado pelo sabor de ferro do próprio sangue. Quando ela achou que não suportaria mais dor teve os braços arrancados por cruéis dentadas, as pernas balançavam soltas e instigaram o enorme monstro a degustá-las também. Quando só lhe restava um toco de tronco e sua cabeça, zonza de dor e desespero o gigante a engoliu inteira. Milagrosamente ela ainda vivia quando chegou ao seu estômago que mais parecia uma caverna abandonada, seu corpo caiu sobre restos de esqueletos de outras mulheres e o cheiro de putrefação inundou suas narinas. Inerte, desalentada, desprotegida, perdida, cansada, vazia... Na cabeça de Meadora uma pergunta ecoava e ecoava “o que fiz pra merecer?”