quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

“Bandeira dos queijos e das oportunidades”



Cinza e pontuda
Marcada com cruzes e bandeiras
São Paulo de todas as cores e com mil igrejas
Paro pra amarrar meus sapatos,
Olho pra cima e já me perdi
Nada é como antes, ponho algo lá

Mas não fica ali

O cheiro dos quatro queijos
Que contam cantos deste mundo
Dividem espaço em oito pedaços
Vou deixando nas ruas eternamente molhadas pela chuva a minha impressão
Trinta e sete a cada passada

Tem muro vermelho
E tem parede grafitada
Tem janela com grade
Porta trancada, lacrada, baleada
Surge àquela velha dúvida a prisão é pro lado de dentro ou fora das casas?
E é tanta arte que invade este solo eclético e cheio de excentricidades
E descubro, reinvento e namoro
E me apaixono e me entristeço
Com o calibre da intensidade,
Como é grande, inquieta e intrigante
É de uma beleza conflitante
Modernidade, tradição e um clima de romance
É o Paraíso
É a Liberdade
É cheio de Imigrantes
Com seus Jardins é a Casa das Rosas
E tem Oca para todas as tribos
É a terra das oportunidades
É cultura e lazer para qualquer idade
É impossível declarar o tamanho do meu amor por esta cidade.

“Maria Santos Silva, Brasileira”

Hoje conheci Maria. Mulher mulata, meio indígena, sotaque do norte com um jeito caipira de ser solidária, uma mulher rusticamente bonita.
Maria levanta cedo e ainda é tão escuro; prepara o leite; o café; as mochilas; tira um do chuveiro e logo tem outro dentro habilidosamente, pacientemente, solitariamente, Maria banha quatro crianças de idades tão próximas que me parecem até terem nascido uma e com intervalos variantes de cinco, dez e quinze minutos chegavam ao mundo às outras.
Os quatro comem sonolentos, Maria ajudada por um pingado, engole apressada grandes pedaços de um pão amanhecido com manteiga, simultaneamente arruma as duas camas (os menores dormem com ela, os dois mais velhos na outra), varre a casa, lava a louça, tira a roupa do varal e escova centenas de dentes.



Saem correndo, o cão late triste no quintal sabe que ficará um longo tempo sozinho.
Os cinco dão passadas velozes, o caminho é longo, o dia começa a surgir e a claridade vai lhes ferindo os olhos, Maria sorrindo, brinca com os pequenos sonâmbulos, tenta fazê-los esquecer um pouco da parte dura e seca de suas vidas.
Maria segue sozinha, pega duas lotações abarrotadas de gente até chegar na casa de família na qual trabalha como diarista: lava e passa roupa, tira o pó, faz a feira, prepara o almoço, canta com o rádiorelógio, limpa os banheiros, pega a criança na perua, a Dona da casa chega e Maria vai.
Passa no mercado, franze a testa e com as mãos dentro dos bolsos vai calculando: dobra e se desdobra, mas claro dá-se um jeito, umas batatas a mais, uns pedaços de carne a menos, se ela não jantar...
Ainda lhe sobraram à educação e o respeito de deixar uma senhora passar-lhe a frente na fila do caixa e ceder seu lugar a uma gestante em uma das lotações.

Maria pega as crianças na vizinha, prepara o jantar, ajuda na lição de casa, separa uma briga por um brinquedo besta, maratona de banhos, arruma as camas, conta uma história, guarda os brinquedos de segunda mão e causadores de desentendimentos, vai até o quintal, coloca comida pro cachorro que abana seu rabo enlouquecido e escondida, tendo como testemunha apenas a Lua e os mosquitos ascende um cigarro e traga demoradamente enquanto acaricia a barriga do vira-lata.
Maria poderia simplesmente fechar seus olhos e chorar, mas isso não é do seu perfil, Maria Santos e Silva ou Nascimento é guerreira, mãe, mulher, profissional, economista, contorcionista é mil, é uma, é brasileira... Apenas agradece por mais um dia e por ser uma noite fresquinha em meio a tantas de calor...

“Preta, gentileza, Lima e esverdeado!”

Sinto falta de conversa, daquelas sadias que começam de tarde e invadem a noite, que a gente escuta risadas entre palavras e sente que o sorriso nunca abandona a boca...
Sinto falta desta alegria porque em mim ela habita, mas percebo que de alguns ela se demiti.

Sinto falta de Lima, de “selo” roubado, conversas diversas, eventuais escatologias, as melhores batatas do mundo, de fazer carinho no nariz, de esconder clipes na barba do bode, sinto falta de encaixar meus dedos nas covinhas da bochecha, de cantar até conquistar...
Sinto falta de abaixar o acento da cadeira da Preta, de ouvir sua risada, o coçar de garganta/ouvido e nariz do Flipper, seus olhos amendoados, do sorriso que no começo quase não se abria e se escondia atrás de toda mágoa que sentia.
Sinto falta de receber minhas crianças na porta, abraçá-las e beijá-las, daquela energia gostosa, nova, tão cheia de sonhos e vontades.
Sinto uma falta tão grande do Caíque... Acho que ele nunca vai saber como a “Tia” gostava dele; Um garotinho de 8 anos, totalmente prodígio e gentil! Que colocava os gostos de sua irmã como prioridade, porque a felicidade dela seria a dele.



Sinto falta de ver quantos dentes já haviam caído e quantos iriam nascer; de suas carinhas assustadas no Halloween e rapidamente substituídas pela alegria ao ser presenteados com doces pela bruxa.
A pureza e aquele amor de graça que hoje em dia é tão difícil ter de uma criança: Eu tive!
Até um “namorado” lindo de 13 anos e um belo par de olhos verdes eu arranjei!
Sinto falta de ver o amor acontecendo, chegando velado, os rostinhos corando, os olhos que desejam ardentemente se cruzar, mas a bendita vergonha não consenti.
O desespero de perder um brinquedo, ou então descobrir que seu livro predileto foi locado!
Ai como era engraçado.
Me concentro e consigo sentir todos os abraços, os cheiros, as cores, as vozes, tudo...

Pronto, já estão todos do meu lado!

“Eu choro, ela chora, todas riem!”

A raiva e a decepção que ela sentia eram enormes, tão grandes que não cabiam em seu peito e escorriam intensamente por seu rosto, me ocorreu se é possível amar tanto assim alguém!
Ela pressionava seus olhos com tamanha força que me pareceu desejar estancar um corte, como se tentasse fazer suas lágrimas voltarem para dentro de seu coração pra de lá nunca mais fugirem...
Ferida!
Feridas!
Feridas de Guerra! De uma cruel batalha da qual ela não pode vencer e só lhe resta aceitar.
Eu observo a distância... Uma distância que não me permite tomá-la em meus braços e acalentá-la, dizer-lhe que ficará tudo bem, que esse amor realmente nunca vai se acabar, apenas vai se sentir cansado como um senhor de idade e adormecerá no fundo de suas lembranças.
Queria poder prometer que seria a última vez que ela sentiria aquilo, ou que qualquer garota sentiria! Mas não quero mentir também, chega de ilusões!
Da distância que estou ela não pode me ver ou me ouvir, talvez consiga apenas me sentir, porque eu sinto, sinto muito que ele não a ame, mas pode confiar porque disso eu sei, na hora certa – que nem está tão distante assim – ele, “o rosto” vai aparecer!

Ela está dentro de uma loja, sorri para as vendedoras, para as roupas, nem arrisca sorrir pra si mesma, tenta achar os vestidos bonitos, mas não está ali, não seus pensamentos ou seus sentimentos, não até aquele momento quando ela se olha no espelho e vê uma mulher que por sinal é de uma beleza tipicamente nacional, mas mesmo assim única...
Por um instante ela se observa e admira suas pernas grossas; seu quadril largo; sua cintura que ainda é pequena e desenhada; seus seios são belos, médios e belos; têm as mãos e os pés finos, dedos longos; seus freqüentemente elogiados lábios carnudos; seus grandes e expressivos olhos, seu cabelo cacheado e curto... Ela consegue sentir seu próprio perfume e é doce! Ela exala alegria de criança misturada a frutas, flores e terra molhada, seu cheiro é cor de laranja, azul, amarelo, vermelho e púrpura!
Ela cheira esperança!
Ela gosta do que vê e sente!
Então ela pensa que se ele a visse daquele jeito: linda, cheirando vida, delicada e desprotegida ele a amaria!
Ele!
Ela chora novamente, choro de dó e não de desespero...
Ela chora, a vendedora chora, a mãe chora... Todas elas riem!

É seu primeiro vestido de festa, haverá um casamento na família e ela vai sozinha.
Todos terão com quem dançar, ela ainda não.
Ela não sabe o que vai acontecer, mas da distância em que estou, eu já sei!
Ela já sabe pelo que precisará passar e o que não deve fazer, mas na hora certa – sim, sempre a hora certa! – ela vai entender!

A mensagem, o mensageiro e o caminho

Fico te procurando a cada esquina, sinto que suas palavras moram em mim, hoje olhei bem no rosto do jovem taxista e me perguntei se ele seria como você Ed. Existem milhares de pessoas assim, que sofrem em silêncio, que vão empurrando com a barriga suas vidinhas medíocres, seguem anulando o próprio potencial e jogando fora todas as chances de serem felizes! Vejo que tenho muito de você, como tudo sempre esteve em nossas mãos e ao alcance delas. Quem te disse que não pode? Quem nos disse que não podemos? Quem disse a eles que podem nos falar o que fazer ou como viver?! Espantei-me ao ver que minha amiga não entendia o Jean. Como ela não entende? Como só vê o lado da mãe dele? Será que o Jean fez algo que eu desconheço e se soubesse também entenderia a Simone? Porque só assim para não concordar com as atitudes dele!


Na verdade eu queria bater palmas, queria dar um troféu ou simplesmente dizer a ele que me orgulho e que ele realizou meu sonho, mesmo que por um espaço curto de tempo! Ele sentiu o gosto da “liberdade sustentável” e imagino que deva ser como o sabor de um abacaxi que é doce, mas não enjoa; Ele tocou no seu cabelo de fogo e dançou com ela. Eu queria ser como ele que mantém as melhores qualidades de uma criança: pureza, alegria e nenhum medo! É porque como diria o sábio Wladimir (sem sarcasmo, pura realidade) são os pais que nos põem medo quando nascemos nos advertindo a todo o momento dos perigos da vida “isso queima”, “cuidado que vai machucar”, “não ponha na boca” e afins... “Não vá por aí”... Ela admite que eles, mãe e filho, são absurdamente parecidos e ele tem uma vantagem que ela também admite em silêncio: Ser homem; que me desculpem as mulheres (sem machismo), mas é bem mais fácil para eles, tipo fazer xixi de pé, não menstruar, não precisar raspar seus pelos diariamente (e ficam lindos quando barbudos!), arrumam serviço de qualquer coisa: segurança, garçom, estoquista, pedreiro etc. É bem mais fácil! Você garota, quantos dias consegue se imaginar dormindo em uma barraca, tomando banho de 3 minutos, ganhando pouco, trabalhando 13 horas por dia?! Viu, nem eu consigo me ver muito tempo nesta situação! Mas voltando ao assunto original, ele tem essa vantagem e ela tem o medo, talvez tenha dado errado pra ela, talvez esteja apenas fazendo o papel de mãe, suposições... Voltamos a olhar um nos olhos do outro, Ed já está aqui e não o vi entrar.
Ele me pega pela mão e vai me conduzindo, me tira do escritório, abre a porta do carro e me põem sutilmente sentada no banco...





Penso em Jean.
Não me preocupo mais com quem vai atender ao telefone ou aos pedidos de todos, eu agora só atendo os meus!
Fecho os olhos e sinto o vento em minhas mãos, sinto o poder de mudar tocando meus dedos com tanta força que poço pega-lo como algo concreto!
Quando abro os olhos estamos na Rua Edgar nº 45, e depois na Avenida Harrison nº 13, e assim por diante Ed me leva novamente até aqueles 11 endereços que nos são tão familiares e me conta detalhadamente todas as histórias.

Não somos amigos, namorados ou parentes, somos apenas duas pessoas que se conhecem bem.
Paramos em frente à casa do Ed e ele me conta como foi difícil admitir para si mesmo o quanto era inútil e o quanto lhe fez bem adquirir esta consciência e mudar de vida.
Nós conversamos por horas e quando vejo estamos quase chegando a uma praia, mas não é qualquer praia, esta tem história e significado.
Foi lá que eu e duas amigas descobrimos que nossos destinos são entrelaçados e que temos muita coisa pra “resgatar”, olho pro Ed, olhos molhados, voz embargada e digo; “- Queria que elas estivessem aqui, queria poder olhar pra elas e dizer que sinto muito, que ainda dá tempo, queria que elas acreditassem nisso tanto quanto eu!”





Estou abraçada no Ed chorando e falando pra ele tudo que eu adoraria dizer pra tanta gente... Tantas amizades que não funcionaram, tantos amores que o tempo borrou, tantos familiares que mal tenho contato... Aquela era apenas a primeira de diversas lembranças e inúmeros desabafos. É Ed, você sabe que sua missão não parou naquelas pessoas, que sua mensagem foi muito além, afinal um baralho não se faz apenas de ases.

"Um momento de beleza"

Enquanto as crianças dançam no jardim sob o céu noturno e as luzes, vejo uma coisa.

Lua e Marie estão de mãos dadas.
Parecem muito Felizes, curtindo este momento, vendo as crianças e as luzes em sua velha casa de alvenaria.
Lua beija Marie.
É só um beijinho de leve nos lábios.
E ela retribui o beijinho.
Às vezes as pessoas são bonitas.
Não pela aparência física.
Nem pelo que dizem.
Só pelo que são.



Trecho do livro “Eu sou o mensageiro”, Markus Zusac – Parte 3, Capítulo 6.