quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Para um amor em Jacareí

Uma vez conversando com a Leona perguntei a ela porque a maioria dos textos são tristes. A gente quase nunca sabe admitir estas respostas. Que necessidade geral essa de derramar para o mundo todo saber o que passa aqui? Vontade de alguém nos descobrir e se compadecer?
Uma vez ele veio aqui e saiu. Disse que visitava sempre, até me questionou. Tempo passou e ele partiu.

Mas vez ou outra sei que ele está por aqui. Então pra você que vem e vai nesse telefone de via única: beijos pra caravana de Jacareí!

Carta pública

Angeli levantou do sofá e foi ver que cheiro horrível era aquele que vinha do quintal. Não morava perto de brejo ou fossa “nem é São Paulo pra feder assim” pensou aquela cabeça ruiva.
Mas que merda! Angeli virou de lá, remexeu daqui... e a porcaria do cheiro, nada de sumir!
Grudou a cara no chão, não estava nem aí que seus vizinhos burgueses a achassem maluca e foi cheirando toda a grama, até que viu, três pontinhos bem miúdos... Pareciam vírgulas... Não! Eram sementinhas.
Angeli era moderna e descolada, mas nascida no interior, meio do mato, sabia reconhecer uma erva daninha quando a encontrava, e aquelas eram sementes malignas. Que coisa... Angeli sempre se deu bem com a vizinhança, quem estaria querendo tirar o brilho lindo do seu gramado azul?
Sem pensar catou as reticências, digo, as sementinhas e levou pra longe, colocou dento de uma garrafa bem tapada e foi levar pra desaguar tudo numa fonte que juravam ser bem distante!
Mentira! 
Angeli ficou de boca aberta quando voltou e viu um sofá, um cachorro, roupas velhas e e um monte de lixo no seu jardim!
“Poxa vida... já tentei ser simpática e educada, mas tão querendo mesmo ver se saio de mim!”
Não teve dúvida, passou a mão no papel e caneta e escreveu em letras amáveis: "querido amigo, poderia por favor levar seu entulho para outro local que não fosse aqui? Bejin Ageli"

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Namastê!

Começo pelo começo

Sinto muito por suas feridas, por todas elas! As causadas aqui ou na ancestralidade.
Me perdoe por suas dores, dissabores, desamores e descontentamentos. Os causados por mim aqui ou na ancestralidade.
Sou grata por sua vida e existência, por suas ações que me ajudaram a encontrar o meu caminho.
Te amo, pois amor é o único remédio universal.

No meio
Compreendo que a única forma de resolver isso é plantar duas flores para cada uma que foi arrancada. É fazer gestos de carinho no momento em que me der vontade de ferir. É ofertar mais amor quando mais doer aqui dentro.
Para cada uma tentativa de sabotagem serão dois beijos, dois abraços...
Porque é impossível ser feliz com medo, é impossível ser feliz numa prisão!
Não vou odiar nem sofrer, pois amor gera amor e ódio gera ódio.

Não tem fim
Nada é para sempre, sempre é o tempo que duram as coisas!

As águas me lavam e me curam


Asé

Fios soltos

Os fios dele embaraçados... Eram como lãs coloridas, algumas cores tão vivas que brilhavam no escuro, outras tão negras que me deixavam sem palavras. Começamos a tecer juntos - por escolha, livre escolha - um tapete, um caminho... Por algumas vezes a gente notava uma linha estranha e se olhava... Ele sobrancelha arqueada, cara de medo e culpa. Eu ignorava. Fio estranho “eliminado”, por conta disso alguns pontos desfeitos, mas logo o tecer (re)começava. Por algumas vezes a gente notava uma linha estranha e se olhava... Ele sobrancelha arqueada, cara de medo e culpa. Eu puro desentendimento. Fio estranho “eliminado”, por conta disso alguns pontos desfeitos, mas logo o tecer (re)começava. Por algumas vezes a gente notava uma linha estranha e se olhava... Ele sobrancelha arqueada, cara de medo e culpa. Eu puro desespero. Fio estranho “eliminado”, por conta disso alguns pontos desfeitos, mas logo o tecer (re)começava. (Re)começava, (re)começava... Até que cansada desta dança que não progredia, desta trepada que brecava e o gozo entalava, questiono que são todos aqueles fios soltos? Faço um pedido: APARA! Devolve os novelos, deixe que outros possam terminar seus tapetes. Você que reclama o não andar, te livre destas malas, destas que arrastam correntes. O tempo dele diferente, o processo caminha, mas por vezes empaca. Por algumas vezes a gente notava uma linha estranha e se olhava... Ele sobrancelha arqueada, cara de medo e culpa. Eu... eu estou aqui com ele (e permanecerei)! Fio estranho “eliminado”, por conta disso alguns pontos desfeitos, mas logo o tecer (re)começava!

Desmodium adscendens

Ela havia corrido toda a Augusta debaixo de chuva pra pegar aquele ônibus, mas não deu! Entrou na loja pra se proteger das gotas pesadas. Assustou-se! Nunca havia notado aquele lugar com cara de venda de artigos místicos. Do escuro que provinha dos fundos, logo depois de um extenso balcão uma voz pronunciou seu nome. Ela ficou completamente arrepiada, poucos se referiam a ela assim... Atendeu ao chamado e uma senhora aguardava sentada. Luz de vela, frasco pequeno de vidro nas mãos. A velha disse que há tempos que a esperava e que tinha um presente pra jovem moça recém-aniversariada. Um bilhete acompanhava o vidrinho, instruindo quatro gotas na caixa d’água e no filtro de casa. A garota saiu em silêncio, lá fora um sol imenso brilhava e ela preferiu abrir mão dos óculos escuros. Chegou em casa e sentou estática. Levantou num ímpeto, decidida e finalmente deletou todos os seus lamentos, desfez o altar que tinha em devoção aos outros tempos, pegou as caixas de nomes engraçados e queimou na chama renovadora as cartas e seus sentimentos. Agora sim, novos momentos!

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Ensaio sobre a urgência I

para Jú Sereia e todos nós que sentimos urgência em viver,

Portar um câncer não é passaporte garantido para a morte, mas te faz experimentar sensações que chegam bem próximo do outro plano e as vezes te fazem desejar que tudo acabe e o fim chegue logo... Claro, isso eu apenas imagino.

Constantemente me pergunto que certeza é esta que as pessoas tem de que existe o amanhã? Longe de eu ser pessimista, mesmo quando estava sofrendo de depressão eu acreditava que existia uma luz... Eu apenas não estava enxergando, mas sabia que ela estava lá.
Mas o mundo em que vivemos é louco e as pessoas estão cada vez piores. Quem pode prever um terremoto, um maremoto, uma bala perdida, um acidente no transito, um infarto? Quem pode afirmar com certeza que chegará ao outro lado da rua?

Eu partilho com alguns essa urgência em amar e ser amada, este exagero de sentimentos, esta necessidade de colorir os dias, de abraçar as pessoas, de tocar nos animais...

Eu choro, grito, mordo, abraço, dou risada e fico calada. Tudo num único minuto. E não me coloque outro rótulo, bipolar é a senhora sua mãe! Eu me intitulo IN-TEN-SI-DA-DE!!


“Onde não puderes amar, não te demores” não sei porque insisto em permanecer tantas vezes por tanto tempo onde não posso transbordar este afeto. Creio que seja porque acredito na natureza boa do ser humano, acredito que o amor é o único caminho para a cura de todo e qualquer mal/mau! 

Por dias ainda melhores

Amem... amém!

Santa, paciência...

Quanta falsidade e hipocrisia, Noca dava risada, pois Me fingia não ter lido o escrito, mas no seu íntimo Noca sabia a verdade.

Que chatice de Me em querer fingir a público que estava bem, em contar quantas rolhas cheirava e que as canetas que a "rabiscavam" eram de requinte sem igual. Mentira! Porque se estava assim tão feliz, se portava livros novos nas mãos porque procurava quem já não lhe carrega mais da mesma forma no coração?!

Noca era intensa e estava irada, queria apontar o dedo e dizer bem forte "mentirosa, disse que não queira estragar nada, que jamais faria o que fizeram com você, mas faz pior! Agiu à surdina, na calada, sorrateira feita uma rata e tenta retomar o afeto que ele te negou!"

Sabe o que realmente espinhava? Era o fato de Noca ter dado respeito a Me, tratando-a como loba e ela, dona Me, agindo feito uma vaca!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Esfinges


Dia desses tive um papo daqueles que me deixam impressionada, conversava com uma amiga psicóloga, amante de Jung e suas práticas. Falávamos sobre o método da caixa de areia e ela contava sobre a experiência de uma outra terapeuta que faz uso da mesma abordagem: um dia em seu consultório atendendo um homem adulto com o Sandplay se viu diante de um curioso cenário com uma esfinge bem ao centro. Muitas foram as tentativas de compreender o que o inconsciente do paciente tentava comunicar... O processo chegou ao final, eis que cinco anos mais tarde a tal psicóloga recebe um telefonema do moço, perguntando se ela ainda tinha a foto daquela construção na caixa, a que continha o símbolo misterioso. Ela passou a mão no registro que estava em seu arquivo e foi ao encontro dele para um café. Se surpreendeu com a aparência do ex-paciente, bem mais magro e um tanto abatido. Para arrepio da terapeuta, meu e de todas as pessoas que escutam esta história o rapaz havia sido tocado pelo HIV naquela época da terapia com as miniaturas... 

Segundo lendas mitológicas o enigma da esfinge é “decifra-me ou te devoro”.

Passado algum tempo sonhei que entregava uma prova para meu professor e quando ele ia corrigir ele ficava repetindo “grávida, você está grávida!” Acordei suada, assustada e prometendo que não iria transar nunca mais (¬¬), tomei uma água e fui refletir a respeito. Cheguei a conclusão que de fato estou grávida, porém de ideias e projetos que necessitam de cuidado e nutrição tal qual um feto, mas que a hora do parto também chegará e meus frutos terão de ser educados e criados para o mundo e não pra mim mesma. 

Desapego, enfrentamento e responsabilidade...

Com um inconsciente tão lúdico e ávido por luz e compreensão não se brinca!

Cada um é devorado por seus próprios monstros e eu não quero que os meus saiam de dentro do armário, não sem que antes eu os (re)conheça.

E você, já deu atenção pra sua psique hoje? 



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sereia



com muito amor para você que será sempre linda!

2010 - Confesso que quando conheci a Jú fiquei irritada, pensei “deveria ser proibido uma mulher dessas andar na rua! Linda, inteligente, livre, sensual...”
O tempo passava, não era muito fácil para eu manter uma amizade estreita com ela que sempre viajava, tinha uma força e coragem diferentes das que eu possuía, talvez não tivesse rolado um mega esforço de nossa parte, enfim.

2014 - Descobri pela internet que um amigo meu está com CA (forma menos explícita que o pessoal da área da saúde nomeia o câncer). Fiquei chocada. Estas coisas acontecem com os avós da gente, com os pais dos outros, com amigos de amigos... Mas com a galera da nossa idade?

A sociedade está muito doente! Eu mesma, tive uma depressão forte e enquanto muitos elogiavam minha magreza eu sofria por não dar conta de tomar um copo d’água, por desejar morrer, pular na frente de um trem e fingir que foi um mero acidente. Perdi 13 quilos em 40 dias, não tomava banho nem dormia, fumava feito a Caipora!
Vivenciei e ainda vivencio a depressão (tristeza que parece não ter fim) de outros familiares e amigos... Lutei contra a minha e venci.

Agora no final de Agosto fiquei sabendo que a Jú (lembram? A sereia lá do começo do post) estava no ringue, guerreando contra um câncer na mama. Na hora não deixei ninguém ver (essa minha mania de querer ser a forte), mas chorei muito, feito criança! Nenhuma mulher deveria ter isso... Nenhum ser humano, animal... Ninguém deveria passar por isso. Ser invadido, mutilado... Pensei na mãe da Juliana, lembrei das fotos dessa Deusa correndo pelo mundo... Exemplo de vida! Pensei comigo “ela já está curada”... Fui ler seu blog e chorei ainda mais, nestes dias de maior sensibilidade e que me encontro, não aguentei ver o vídeo de dias dos pais, mas entendi: viva o presente! Quero apresentar a vocês essa linda fada que nós temos o prazer de ter na Terra, e agradecer Jú, por você ser quem é!
Você é luz no meio da escuridão! Você é motivação e alegria, mesmo na própria dor!

Somos irmãs em Cristo, Oxalá, Tupã, Grande Mãe e envio pra você neste momento amor e oração, força e o desejo de que as energias femininas do planeta te auxiliem agora e sempre!

Ainda tem muita história pra contar negona índia velha

Marimar

perdão e gratidão

Marimar falou por duas horas ininterruptas, sem breque pra respiro, sem pausa de fusa ou semifusa, confusa, chorou! Mostrou no próprio corpo às marcas e feridas, os buracos feitos por ele e pela vida. Ele em silêncio, observou, olhos marejados (lágimas ou cansaço), mas ele permaneceu calado.

Fim do primeiro ato, mãos dadas atravessando a rua, eles param no posto frente a frente, os lábios dele tocam a testa dela e depois as temporas. A boca dele abre e fecha em três palavras, mas o coração fez muitos mais sem saber; 
Contou a Marimar que a amava, mesmo ela também sendo uma novela mexicana ambulante, que entendia a fraqueza que ela demonstrava naquele momento, mas que a força dele era pura sutileza, que ele luta e transmuta de outro jeito e que a quer do jeito que ela é.

Terceiro ato - Deitados horas depois, Marimar retribui o carinho, pede perdão bem baixinho e agradece por tudo que ele a ensinou e pelo que ainda vai ensinar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Rastro

Meadora acordou no meio da noite com a estranha sensação de ser observada, olhou para o lado e o Barqueiro dormia pesado. Sentiu uma gotícula de suor que brotou atrás da orelha e foi escorrendo por suas costas, até chegar ao calcanhar esquerdo, arrepiou! Resolveu abrir a porta e ir na varanda tomar um ar, foi quando escutou algo (ou alguém) mexer as folhas do mato, num barulho característico de fuga. Observou e continuou alí, de pé! Caminhou até o local e respirou fundo, num respiro que trazia todos os cheiros no raio de todos os quilômetros que a cercavam e captou o odor daquele que entrou em suas terras.
O perfume era estranhamente familiar, e Meadora rapidamente refletiu sobre ele: A primeira nota, a de saída, era colorida e alegre, artista e sedutora, Meadora gostou e sentiu semelhança na dança sapeca e selvagem que o cheiro fazia. A segunda nota, a do coração, era de personalidade guerreira, porém entristecida, Meadora ainda se viu em algumas partes, na determinação, na força... Mas não na melancolia. Foi na última nota, a de base, que Meadora não teve dúvida! Aquele cheiro de morango e especiarias, de resina e de madeira, cheiro de animal, de fêmea! Meadora que não era boba vestiu sua pele de bicho, de lobo e búfalo e foi atrás do rastro que a outra loba produzia. Quando a alcançou estava diante de sua caverna e por mais que desejasse entrar num arrombo, com a força dos ventos e ares que trazia, não o faria!
Uivou do lado de fora, uivo doído de quem se sentiu traída pela própria espécie! Como pode ser tola e achar que Meadora não (pre)sentiria? Que o próprio Barqueiro, que aportou por escolha nas águas de Meadora não compartilharia tudo? Meadora espumava de raiva, pois já havia admirado aquela loba, já havia respeitado... Mas ela tentou entrar no seu espaço e agora o carinho que um dia sentiu se esvaia!

Voltou para o próprio lar, teve até de fumar um cigarro (que havia largado) pra se acalmar, deitou-se ao lado do Barqueiro, ele sentindo sua presença na cama a abraçou forte e então todas as violentas emoções sumiram e Meadora notou que de fato não havia nada entre aqueles dois corpos, entre o coração dela e do Barqueiro e adormeceu tranquila. Se ele não deixou a outra loba entrar não seria Meadora que deixaria!

quarta-feira, 23 de julho de 2014

A ligação

O telefone chamou uma, duas, três – ele nunca atende antes da terceira, sorriu em pensamento – quatro, cinco vezes... Até que após olhar no visor e ver um número desconhecido ele atendeu “pronto”. Do outro lado Melina demorou a responder e antes que fizesse Noca já sabia... Um arrepio passou por sua nuca cacheada, foi quando Melina falou... Ele fingiu não ter reconhecido a voz ansiosa da artista. Noca consentiu que ele falasse com M e pediu a ele que perguntasse se estava tudo bem. Momento tenso! Ele queria continuar a conversa, mas estava assustado com a presença de Noca e sua interferência na conversa. Noca era uma loba e entendia Melina: tinha de haver um fim (ou tentativa) para aquela novela...
Palavras voaram, corações acelerados bateram...
A ligação terminou, eles se tocaram em silêncio... Noca se desculpou.

No radio da cozinha Lenine sussurrava uma música... Eles fizeram amor...

terça-feira, 22 de julho de 2014

Melina


com carinho, para você! 

O telefone chamou uma, duas, três – ele nunca atendeu antes da terceira, ponderou em pensamento – quatro, cinco vezes... Melina já estava se preparando para desligar quando a voz do outro lado falou “pronto” e por outro segundo todas as lembranças tomaram seu corpo, aquele calor e a moleza depois de uma transa e outra cerveja entorpeceram seus sentidos. Melina sentiu o gosto do beijo, o vapor dos lábios dele nas partes dela... Um arrepio passou pela nuca cacheada e então ela notou que ele estava respirando do outro lado, como se soubesse do filme que Melina acabava de reviver... Ele fingiu não ter reconhecido a voz ansiosa da artista. Ela fingiu que ele estava sozinho esperando por aquela ligação. Por fim concluiu erroneamente que ele não mais queria falar com ela, mas Melina é uma loba e tinha de por fim (ou tentar) nesta novela...
Palavras voaram, corações acelerados bateram...
A ligação terminou, Melina sorriu e apenas uma lágrima por seu rosto rolou... Ou era vapor do chuveiro?

No radio de cabeceira Herbert gritava uma música... Melina se aproximou dele, acho que ela trocou de estação...

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Tucano

Ela se levantou para ir até o banheiro e o frio e o silêncio da casa a convidaram para um cigarro. Era seu horário predileto. Era o seu momento. Os sons e pensamentos do mundo se calam, assim os dela podem tomar a imensidão do espaço e dançar, cantar, berrar... Notou um pássaro diferente no céu, a julgar pelo bico concluiu que deveria ser um tucano e subiu nas costas dele para observar do alto... Viu os trabalhadores que madrugavam aos domingos pra fazer pães quentinhos, os boêmios dos sábados pelas ruas dormindo nos pontos de ônibus, os gatos se espreguiçando nos muros, as crianças cochilando, os poetas escrevendo e seu amor sonhando... Estava de volta a casa! Com um sorriso no rosto agradeceu a Deus e sentiu o vento das asas do “Fulano” tocarem seu rosto em tom de despedida "até outro dia!" Voltou para cama valsando! Coração leve, cabeça tranquila e mais fé na vida...

sexta-feira, 14 de março de 2014

Ela: a sensação de ser trouxa e o desejo de ser mulher

Ela cometeu o triste erro de olhar para trás. Uma, duas, três, quatro, cinco... Vezes! Enxergou ilusões, enganos, erros... Viu crescimento, mas acima de tudo solidão. Sonhou, desejou, acreditou, esperou... Tudo só. Ela queria crer que seu futuro seria diferente, mas olhava para os lados, observava os novos sorrisos nos rostos conhecidos, os planos "tão falados" enfim executados e Ela ainda estava ali, lutando. Sentia o vazio, o oco, a dor, a solitude em meio à multidão. Fortalecia-se cada dia mais para levar as bordoadas do cotidiano, estava com o corpo todo definido, quase que totalmente masculinizado... Mas será que ninguém era capaz de notar que ali existia apenas uma menina, tentando se tornar mulher? Quem seca as lágrimas que noite após noite inundam seu travesseiro? Quem olha nos olhos Dela e diz que ficará tudo bem? Não de mentira, de verdade! Quem protege o seu frágil coração? Quem realmente cuidaria dela? Quem vai colocar um buque na sua mão?

quinta-feira, 13 de março de 2014

Os devaneios de Sophia: um monstro no meu armário

A Mulher levantou assustada e correu até o quarto ao lado, Sophia teve outro pesadelo e acordou o quarteirão inteiro com seus gritos. A Mulher entra no quarto e Sophia sentada na cama aponta para o armário e repete seguidas e ininterruptas vezes:

– Tem um monstro no armário! Tem um monstro no armário! Tem um monstro no armário! Tem um...
– Sim Sophia, temos vários monstros no armário. – Interrompeu a Mulher.
– Como vai ser? – continuou falando a Mulher – Eu entro e coloco eles pra fora, mas nós sabemos que eles voltam ainda hoje, ou vamos juntas resolver o que tem lá dentro?

Sophia pensou por alguns segundos, coçou a cabeça e por fim esticou a mão até a gaveta da cabeceira retirando de lá duas lanternas:
– Uma pra cada! – disse a menina, levantando da cama ainda com remelas nos olhos.
Pegou na mão da Mulher e seguiram as duas juntas para enfrentar o mundo que as esperava atrás daquela porta e do outro lado dela...

quarta-feira, 12 de março de 2014

Noca: caderno velho, folha nova

Noca teve três diários, que a acompanharam por três anos. Ela sabia como reaproveitar um caderno, colando adesivos na capa, arrancando algumas folhas manchadas, grampeando papéis de bala, fotos de amigos... Como já disse antes, Noca sempre teve amor pela escrita, mesmo não sendo nenhum gênio em gramática, ortografia ou gênero literário, se arriscava a discorrer...
Era ano par, Noca tinha preferência por números ímpares e suas perfeitas imperfeições, tal qual ela mesma e a vida, mas estavam em Março, mês três “que maravilha!” pensou ela. Ótima chance de virar a página! A agenda era a mesma, com marcas de quedas, borrões de carga de caneta, uma história que já havia começado a ser escrita, mas ainda haviam páginas em branco, novinhas esperando pelas aventuras que viriam...

terça-feira, 11 de março de 2014

Histórias de Meadora: O gigante e o labirinto

Meadora acordou com o vômito já em sua boca, teve apenas tempo de se virar tentando não se sujar, em vão. Olhou ao redor e só conseguiu enxergar mato e escuro. Começou a caminhar procurando a saída, se perguntava como foi parar ali... Não recordava de nada! Escutou passos pesados vindos de algum lugar e então correu. Estava perdida, não sabia para onde seguir, foi o mais longe que pode, mas sentia que a cada instante penetrava mais a densidade nebulosa daquele lugar. Cansada, deixou-se cair no chão e chorou. Orou para o Divino, pediu para que sua morte fosse rápida, mas suas preces foram interrompidas por uma mão enorme que a pegou com força e a espremeu. Meadora sentiu todo o ar abandonar seus pulmões e escutou cada osso do seu corpo se quebrando. Aquela sensação era familiar... O gosto amargo que estava em sua boca foi tomado pelo sabor de ferro do próprio sangue. Quando ela achou que não suportaria mais dor teve os braços arrancados por cruéis dentadas, as pernas balançavam soltas e instigaram o enorme monstro a degustá-las também. Quando só lhe restava um toco de tronco e sua cabeça, zonza de dor e desespero o gigante a engoliu inteira. Milagrosamente ela ainda vivia quando chegou ao seu estômago que mais parecia uma caverna abandonada, seu corpo caiu sobre restos de esqueletos de outras mulheres e o cheiro de putrefação inundou suas narinas. Inerte, desalentada, desprotegida, perdida, cansada, vazia... Na cabeça de Meadora uma pergunta ecoava e ecoava “o que fiz pra merecer?”

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

As dores de Dre

Ela olhou para o lado e não o encontrou na cama, levantou assustada e caminhou até a sala, encontrou Dre caído no chão. Ele se contorcia de dores e urrava, Ela tentava acalmá-lo com palavras e carinhos... Tudo em vão. Tirou forças sabe-se Deus de onde, tomou Dre nos braços e o carregou até o quarto. Ela perguntava aflita onde doía, ele apenas gritava “não”, aos poucos Ela foi perdendo a calma e se pois a fazer uma oração. Pediu a Deus, Jeová, Orumilá, Oxalá, Zeus, Zambi, Tupã... E Dre fechou os olhos e adormeceu. Ela aproveitou para examinar-lhe o corpo, olhou tudo, não encontrou nada, concluiu serem mazelas da alma. Abraçou Dre com força e também se perdeu no mundo dos sonhos.

Ela olhou para o lado e não o encontrou na cama, levantou assustada e caminhou até a sala, encontrou Dre sentado na poltrona, interruptor do abajur na mão. A cada passo que Ela dava na direção dele, Dre apagava a luz. Sem ver onde caminhava recuou, medo de invadir, medo de mergulhar para encontrá-lo e se perder. Voltou pro quarto, caiu na cama inundada por suas lágrimas e dormiu.

Ela olhou para o lado e não o encontrou na cama, levantou assustada e caminhou até a sala, Dre com cigarro na mão, andava de um lado para o outro resmungando a vida. Quando a viu saiu pela porta e sumiu no jardim. Ela voltou pro quarto e...

Dre não entendia que não adiantava tentar abafar ou esconder, na casa em que Ela foi criada não se aplica o ditado “o que os olhos não vêm o coração não sente”. Não “saber” só faz o peito dela doer.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Histórias de Meadora: redenção

Meadora girou o corpo ficando de bruços, os ouvidos captavam o som do ukulelê que dentro dela ganhava a forma de seus pensamentos mais profundos. Meadora tentou lutar contra as vozes que vinham de dentro, procurou não se entregar as imagens que sua mente produzia... Tudo em vão! Restou a ela se render e preservar o fio de vergonha na cara que lhe sobrara.
Chorou com gosto, afundou no colchão, mergulhou na própria mágoa, em seus ressentimentos, se entregou a tristeza que a abraçava e apenas se debulhou em lágrimas!
Não queria tentar explicar em palavras o que sentia, não queria correr o risco de se tornar vilã ou carrasco por ser vítima de sua própria emoção.
Não respondia nada, apenas chacoalhava a cabeça em movimento de negação. Negação, quantas vezes o destino lhe negou amor? E quantas vezes mais seriam assim? Ela não se arrependia de nada que havia feito, mas sentia muita dor ao recordar de determinadas conversas, palavras... Aquelas frases que o tempo não apagou nem transformou “amor é uma vez só na vida e o meu foi ela!”

E quanto a Meadora, será amada um dia?

“O que é um sonho ruim,
E o que é um sonho bom.
Que diferença? a vida é igual”

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Mulher Invisível e o Homem de Sabão

Ela chegou ao restaurante primeiro e pediu a mesa perto da janela "a de sempre!" Ele atrasado como de costume, levou mais tempo, mas chegou e era isso que importava para a Mulher Invisível. O Homem de Sabão foi pegando o cardápio e abrindo enquanto se acomodava na cadeira:
- Estou faminto!
- Estou carente...
- A comida daqui é tão boa...
(silêncio)
- Sei que sou exagerada, mas...
- Garçom! Ei garçom, já escolhi!
- Bem, eu sou carente, insegura, sei que já falam...
- Este é o prato do dia?
- ...que já falamos sobre isso, mas ultimamente acho que vo...
- Com todos estes acompanhamentos?
- Você... Você anda meio...
- Peço o suco depois, agora aceito uma água com gelo!
- Eu...
- Bastante gelo!
- E para a madame? - perguntou o velho garçom olhando no fundo dos olhos molhados da Mulher Invisível.
- Uma caixa de lenço, uma cerveja e peça ao artista para cantar Gal Costa, Caetano e Elis!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Histórias de Meadora: A casinha de madeira

Era um pequeno casebre, escondida no meio da... escondida! A madeira envelhecida estava esverdeada de tanto limo. Não haviam portas ou janelas, dificultando para qualquer um a entrada. Chovia muito e Meadora buscava abrigo para se proteger dos raios. Sem entender como, ela foi parar dentro da casa e então notou que era um local encantado! Seu interior era grande, mas estava escuro e úmido, Meadora fechou os olhos e pode ver com clareza os cômodos do local... Saiu e voltou algumas vezes, por mais que andasse seu caminho sempre a levava de volta para a casa. Aos poucos foi sendo aceita ali e um dia percebeu que a casinha havia revelado uma porta do tamanho exato de Meadora! Continuou frequentando o lugar paciente e contente por ser bem vinda, mas sentia falta da luz da rua... Passado um tempo à casinha construiu uma pequena janela, alta, próxima ao telhado, permitindo a entrada de luminosidade, porem afastando olhares de dentro e de fora. Seguiram mais alguns dias e Meadora foi surpreendida com uma bela janela, daquelas que vão do chão até o alto... Mas o que eram aquelas cortinas?