sexta-feira, 21 de junho de 2013

Boa noite


À noite, quando todos dormem e fica tudo em silêncio o prédio estrala. Enquanto todos descansam, o vento bate na janela suave e te convida para sair e brincar com ele.
À noite a prateleira range reclamando o peso dos livros, a porta abre e a luz do terceiro andar acende. Se você souber ficar bem quieto na posição certa a claridade se apaga novamente e você pode ouvir o uivo do cachorro que dorme na rua.
Quando todos se calam, os pensamentos se acalmam e você pode sentir o frio cortar os sentimentos mais intensos.
À noite o tempo para e depois corre e você pode ver a última estrela sumir no seu que clareia. 

À noite a saudade aperta te fazendo lembrar a infância, o trem que passava longe e marcava as horas.
Os filmes que passam de madrugada são melhores e o chá parece mais quente. As atualizações do Facebook diminuem e os posts de blogs aumentam.
Quando anoitece a inspiração procura as mentes inquietas, os corações partidos, os esperançosos, os deprimidos, os boêmios... 

À noite os papeis em branco ganham letras e desenhos de enfeite.
Tem noites que as pessoas choram enquanto dormem e em outras elas riem!
Às vezes me lembro da vista da janela da quitinete na Liberdade e dos sons da cidade que parecia não dormir, como eu.
Às vezes me lembro de acordar assustada num bairro do Butantã.
Às vezes me lembro de deitar com as pernas trançadas e coçar sua barba enquanto você dormia.
Às vezes me lembro de virar na cama e me sentir abraçada.
Às vezes acho que comecei a escrever acordada e então dormi...

Boa noite!

(escrito ao som de Bichinho do Sono - Bruno Morais)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Quando chega a hora

Sempre fui muito perseverante, em alguns momentos cheguei e beirar a obstinação, mas ultimamente estou procurando andar pelo caminho do meio. Aprendi o momento de parar e o de seguir. Por este motivo me controlei para não enviar ao ex-namorado (sim, nova integrante no time das solteiras) um sms bem do mal educado! Não que ele não merecesse... Ok o moço é super boa praça e não merecia mesmo! Desabafar era tudo que eu precisava. Digitei frenéticas e gigantescas mensagens que poderiam ser facilmente confundidas com um manual de algum aplicativo. Comentei com o amigo mais próximo todo meu drama eee... tive um encontro fantástico com alguém que andava perdido por ai: EU! 
Como é bom quando numa esquina qualquer, sem aviso, durante a pausa para o cigarro, você se esbarra com você. E lembra que era sua melhor companhia quando estava sozinha, que costumava sair pra jantar e dividia a sobremesa consigo mesma e que visitavam livrarias lendo por horas exemplares caros que nem seriam comprados... Aos poucos a coragem de descer as ruas escuras acompanhada de si mesma volta e com tudo isso sua essência novamente se fortalece!
Depois de um dia intenso de trabalho chegar em casa não vai mais me botar medo e a escova de dentes do gato vai pro lixo! As fotos não vou rasgar, nem me desfazer de nada que ganhei porque esta relação "deu certo" por quase 3 anos... Algumas coisas acabam como começam, no nosso caso foi assim. Vai o amor e fica a amizade. 

Vou superar. Vou seguir.
E quanto ao amor? Bem, se perguntar por mim diz que fui por ai com o meu agbê melancia de baixo do braço...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Insônia

Por mais que eu tente, não consigo dormir.
Escutando música repetida, pra ver se clareia sentimento (ou sensação) novo. Tá, não é tão novo assim, mas é diferente. É tão estranho sentir algo que parece não ser direito seu sentir... Eu tento fugir de ver certas coisas, de ler, ouvir e até de escrever, mas não tem outro caminho pra mim...
Preciso postar! Aqui é meu lugar. Aqui onde eu posso brincar de ser livre.
Desde ontem aquele velho bichinho me mordeu e mordeu forte por duas vezes. Nem fui pra casa. Acordei assustada e sufocada como quem se afoga em um rio de lava. A lembrança vem e o corpo fica quente na hora. Queria poder dizer tudo o que penso, mas justo hoje que falei sobre o tempo das coisas, é preciso esperar! Mas o pior não é a espera é a duvida. Saber! Saber provavelmente nunca teria mudado nenhuma das minhas decisões. Não quero saber, mas essa minha curiosidade... E o inevitável, ele me mostra até quando eu não vou pesquisar. E tem o sexto sentindo também, ahh quem está com o controle?
Queria fumar um cigarro, mas chove e está frio. Quer saber, melhor mesmo é ir pra cama tentar forçar o sono. Tentar acalmar o coração e as outras partes de mim. Eu. As outras. As outras tantas coisas da vida.
Não quero ficar sozinha hoje... Vem me fazer carinho até eu dormir? 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A Mulher-Esqueleto

para "T" e para a minha mulher selvagem: Meadora!

Ela havia feito alguma coisa que seu pai não aprovava, embora ninguém mais se lembrasse do que havia sido. Seu pai, no entanto, a havia arrastado até os penhascos, atirando-a ao mar. Lá, os peixes devoraram sua carne e arrancaram seus olhos. Enquanto jazia no fundo do mar, seu esqueleto rolou muitas vezes com as correntes.
Um dia um pescador veio pescar. Bem, na verdade, em outros tempos muitos costumavam vir a essa baía pescar. Esse pescador, porém, estava afastado da sua colônia e não sabia que os pescadores da região não trabalhavam ali sob a alegação de que a enseada era mal-assombrada.
O anzol do pescador foi descendo pela água abaixo e se prendeu — logo em quê! — nos ossos das costelas da Mulher-esqueleto.
 O pescador pensou: "Oba, agora peguei um grande de verdade! Agora peguei um mesmo!" Na sua imaginação, ele já via quantas pessoas esse peixe enorme iria alimentar, quanto tempo sua carne duraria, quanto tempo ele se veria livre da obrigação de pescar.
E enquanto ele lutava com esse enorme peso na ponta do anzol, o mar se encapelou com uma espuma agitada, e o caiaque empinava e sacudia porque aquela que estava lá embaixo lutava para se soltar. E quanto mais ela lutava, tanto mais ela se enredava na linha. Não importa o que fizesse, ela estava sendo inexoravelmente arrastada para a superfície, puxada pelos ossos das próprias costelas. 

O pescador havia se voltado para recolher a rede e, por isso, não viu a cabeça calva surgir acima das ondas; não viu os pequenos corais que brilhavam nas órbitas do crânio; não viu os crustáceos nos velhos dentes de marfim. Quando ele se voltou com a rede nas mãos, o esqueleto inteiro, no estado em que estava, já havia chegado à superfície e caía suspenso da extremidade do caiaque pelos dentes incisivos.
— Agh! — gritou o homem, e seu coração afundou até os joelhos, seus olhos se esconderam apavorados no fundo da cabeça e suas orelhas arderam num vermelho forte. — Agh! — berrou ele, soltando-a da proa com o remo e começando a remar loucamente na direção da terra. Sem perceber que ela estava emaranhada na sua linha, ele ficou inda mais assustado pois ela parecia estar em pé, a persegui-lo o tempo todo até a praia. Não importava de que jeito ele desviasse o caiaque, ela continuava ali atrás. Sua respiração formava nuvens de vapor sobre a água, e seus braços se agitavam como se quisessem agarrá-lo para levá-lo para as profundezas.
— Aaagggggghhhh! — uivava ele, quando o caiaque encalhou na praia. De um salto ele estava fora da embarcação e saía correndo agarrado à vara de pescar. E o cadáver branco da Mulher-Esqueleto, ainda preso à linha de pescar, vinha aos solavancos bem atrás dele.  Ele  correu  pelas pedras,  e  ela o acompanhou.  Ele atravessou a tundra gelada, e ela não se distanciou. Ele passou por cima da carne que havia deixado a secar, rachando-a em pedaços com as passadas dos seus mukluks. O tempo todo ela continuou atrás dele, na verdade até pegou um pedaço do peixe congelado enquanto era arrastada. E logo começou a comer, porque há muito, muito tempo não se saciava. Finalmente, o homem chegou ao seu iglu, enfiou-se direto no túnel e, de quatro, engatinhou de qualquer jeito para dentro. Ofegante e soluçante, ele ficou ali deitado no escuro, com o coração parecendo um tambor, um tambor enorme. Afinal, estava seguro, ah, tão seguro, é, seguro, graças aos deuses, Raven, é, graças a Raven, é, e também à todo-generosa Sedna, em segurança, afinal.
Imaginem quando ele acendeu sua lamparina de óleo de baleia, ali estava ela — aquilo — jogada num monte no chão de neve, com um calcanhar sobre um ombro, um joelho preso nas costelas, um pé por cima do cotovelo. Mais tarde ele não saberia dizer o que realmente aconteceu. Talvez a luz tivesse suavizado suas feições; talvez fosse o fato de ele ser um homem solitário. Mas sua respiração ganhou um quê de delicadeza, bem devagar ele estendeu as mãos encardidas e, falando baixinho como a mãe fala com o filho, começou a soltá-la da linha de pescar.
— Oh, na, na, na. — Ele primeiro soltou os dedos dos pés, depois os tornozelos. — Oh, na, na, na. — Trabalhou sem parar noite adentro, até cobri-la de peles para aquecê-la, já que os ossos da Mulher-esqueleto eram iguaizinhos aos de um ser humano.
Ele procurou sua pederneira na bainha de couro e usou um pouco do próprio cabelo para acender mais um foguinho. Ficou olhando para ela de vez em quando enquanto passava óleo na preciosa madeira da sua vara de pescar e enrolava novamente sua linha de seda. E ela, no meio das peles, não pronunciava palavra — não tinha coragem — para que o caçador não a levasse lá para fora e a jogasse lá embaixo nas pedras, quebrando totalmente seus ossos.
O homem começou a sentir sono, enfiou-se nas peles de dormir e logo estava sonhando. Às vezes, quando os seres humanos dormem, acontece de uma lágrima escapar do olho de quem sonha. Nunca sabemos que tipo de sonho provoca isso, mas sabemos que ou é um sonho de tristeza ou de anseio. E foi isso o que aconteceu com o homem.
A Mulher-esqueleto viu o brilho da lágrima à luz do fogo, e de repente ela sentiu uma sede daquelas. Ela se aproximou do homem que dormia, rangendo e retinindo, e pôs a boca junto à lágrima. Aquela única lágrima foi como um rio, que ela bebeu, bebeu e bebeu até saciar sua sede de tantos anos.
Enquanto estava deitada ao seu lado, ela estendeu a mão para dentro do homem que dormia e retirou seu coração, aquele tambor forte. Sentou-se e começou a batucar dos dois lados do coração: Bom, Bomm!... Bom, Bomm!
Enquanto marcava o ritmo, ela começou a cantar em voz alta.
— Carne, carne, carne! Carne, carne, carne! — E quanto mais cantava, mais seu corpo se revestia de carne. Ela cantou para ter cabelo, olhos saudáveis e mãos boas e gordas. Ela cantou para ter a divisão entre as pernas e seios compridos o suficiente para se enrolarem e dar calor, e todas as coisas de que as mulheres precisam.
Quando estava pronta, ela também cantou para despir o homem que dormia e se enfiou na cama com ele, a pele de um tocando a do outro. Ela devolveu o grande tambor, o coração, ao corpo dele, e foi assim que acordaram, abraçados um ao outro, enredados da noite juntos, agora de outro jeito, de um jeito bom e duradouro.

As pessoas que não conseguem se lembrar de como aconteceu sua primeira desgraça dizem que ela e o pescador foram embora e sempre foram bem alimentados pelas criaturas que ela conheceu na sua vida debaixo d'água. As pessoas garantem que é verdade e que é só isso o que sabem.

Mulheres Que Correm Com Os Lobos
Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem
Clarissa Pinkola Estés - Editora Rocco

hoje tomo emprestada as palavras de Estés...
Desejo para o meu esqueleto que um dia um pescador confie em adormecer ao seu lado, quem sabe meia lágrima e um coração de tambor?

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Histórias de Meadora: a viagem (parte II)

Há horas que estavam navegando dentro do mar, Meadora olhava tudo admirada e nem notava o tempo passar!
Ouvia as histórias com carinho e atenção, se sentia privilegiada e merecedora!
Cada coral, cada peixe, tudo tinha uma razão de estar onde estava... De repente, Meadora reparou que sua mochila estava aberta e, de um dos bolsos não revisados antes de sair de casa, sementes caíam. Ela nem pôde ver onde pousaram (se pousaram)! Teria semeado algo? Não importava, ela deixou assim mesmo, para que as águas decidissem o que deveria acontecer!
Novamente voltou sua atenção pro barqueiro e notou o brilho das estrelas do céu em seus olhos, as luzes rompiam a água escura e iluminavam o rosto dele...
Em alguns momentos Meadora sentiu que a paixão também escapou da velha bolsa; a amizade estava o tempo todo por ali. O amor ela não soube dizer se saiu numa dose tão pequena quanto imperceptível ou se foi tão discreto que nenhum deles observou! Não importava saber nada!
Estavam felizes, sei disso porque de onde o narrador se encontrava pôde ouvi-los rindo entre cócegas...
Aportaram algumas vezes e Meadora pôde sentir o toque seguro da areia em seus pés!
Olharam-se e dividiram também o silêncio. E foi no silêncio que Meadora percebeu: aquele momento estava para acabar. Ela só teve tempo de desejar que continuasse tudo bem e que pudesse retornar sempre para o mar! “Daqui você deve voltar só, lembra?” disse o barqueiro. E, com um piscar de olhos, Meadora seguiu de volta pro que dizem ser a realidade... Com um sorriso no rosto, ótimos momentos na memória e um leve aperto no coração.

(escrito ao som de Beauty On The Fire - Natalie Imbruglia) 

domingo, 2 de junho de 2013

Histórias de Meadora: gaveta

Meadora queria não culpá-lo, mas culpava! Queria não sentir raiva, ódio, mas odiava. Queria não sentir amor, mas era difícil, pois amava!
Há dias as roupas estavam dobradas frente à gaveta, faltava coragem para abrir e guardá-las. Sabia que o cheiro dele escaparia e dançaria pelo quarto, pela casa.
Criou coragem, respirou fundo e meteu a mão na maçaneta. As lágrimas começaram a rolar instantaneamente, grossas, pesadas, doídas, sofridas...
Pegou a camiseta que deu a ele de presente no último aniversário e cheirou, abraçou, chorou... As meias, a regata comprada na viagem mais recente... “As coisas já não estavam bem” pensou Meadora.
Lembrou-se dos beijos, sorrisos, carinhos... “Foi real?” se questionava enquanto tentava dobrar tudo rapidamente.
“Confuso! E quando foi que teve alguma certeza sobre mim, sobre nós?!” agora era a raiva que gritava e tornava os movimentos bruscos.
Antes de fechar as lembranças novamente pegou o desodorante da penteadeira e recordou-se de como ficava bem na pele dele... Colocou lá dentro e num suspiro longo e cortado por soluços de quem tenta silenciar lamentos trancou tudo.
Disse a si mesma que desejava nunca mais amar, reclamou que era doído, que não queria mais sofrimentos, se imaginou quebrando a casa, a guitarra, o armário... Pobre menina! Tentava se enganar, mas no fundo sabia que era o amor que a movia.
Resolveu então voltar a suas tarefas e fingir que essa parte do domingo não aconteceu.
Meadora tinha uma fé de escalar montanhas, confiava cegamente nos planos Dele em sua vida e sabia que tudo ia se ajeitar, “hora ou outra tudo vai para o seu lugar” pensou esboçando um sorrisinho no canto dos lábios.